Como o clã Bolsonaro se articula após inelegibilidade do ex-presidente
A política sempre foi um negócio familiar para Jair Bolsonaro. O capitão exerceu sete mandatos de deputado federal antes de conquistar a Presidência da República. Seu filho Flávio Bolsonaro, o Zero Um, foi eleito quatro vezes deputado estadual e agora é senador pelo Rio de Janeiro. Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, é vereador na capital fluminense desde 2001. E Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, está em seu terceiro mandato na Câmara federal. O sucesso eleitoral do clã é consistente e, mesmo com a inelegibilidade do ex-presidente, deve ser mantido e até ampliado. Com os direitos políticos suspensos até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Bolsonaro trabalhará para consolidar o seu papel de líder de oposição e de poderoso cabo eleitoral, fazendo campanha para políticos de direita e, especialmente, para dois neófitos de sua casa: Jair Renan Bolsonaro, o Zero Quatro, e Michelle Bolsonaro, sua esposa, que cogitam lançar candidaturas. O ex-presidente não só não pretende submergir como quer intensificar a polarização com Lula, que lhe garante visibilidade e popularidade. Sair de cena, definitivamente, não está em seus planos.
Logo após a derrota sofrida no TSE, Bolsonaro deu mostras contundentes de sua disposição para continuar no jogo. Numa entrevista, ele disse que estava na UTI, mas não morto. Um de seus auxiliares mais próximos divulgou uma foto do capitão sem camisa, como forma de reavivar a memória da facada que ele sofreu na campanha de 2018 e, de quebra, o discurso segundo o qual Bolsonaro é vítima recorrente de perseguição. Além das mensagens subliminares de gosto duvidoso, o ex-presidente também agiu no campo da política. Ele determinou ao seu partido, o PL, dono da maior bancada da Câmara, que votasse contra a reforma tributária, projeto prioritário do governo Lula, num sinal de que não haverá trégua no embate com o PT. “Tudo o que aconteceu até agora, e isso inclui a decisão do TSE, não mexeu no capital político do ex-presidente, e a tendência é que ele não diminua significativamente pelo menos até se aproximarem as eleições”, diz o diretor da consultoria Eurasia no Brasil, Silvio Cascione. Inspirado na própria redenção de Lula, Bolsonaro ainda tentará derrubar a inelegibilidade no Supremo Tribunal Federal (STF). Além dos argumentos jurídicos de praxe, ele aposta que uma mudança na conjuntura política, provocada por eventual desgaste do governo petista, pode ajudá-lo na empreitada, exatamente como ocorreu como seu sucessor.
Nos planos do ex-presidente, enquanto isso não acontece, ele se dedicará a eleger os candidatos de seu grupo político. A principal aposta no clã é a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que assumiu a presidência do PL Mulher e está percorrendo o país em eventos partidários. Hoje, a ideia da legenda é lançá-la candidata ao Senado pelo Distrito Federal, que deu 58% dos votos válidos a Bolsonaro no segundo turno da corrida presidencial passada. A avaliação é de que, mesmo neófita, Michelle conquistará facilmente uma das duas vagas que estarão em disputa, repetindo o sucesso eleitoral de sua amiga Damares Alves, eleita senadora por Brasília. De início, tanto Bolsonaro quanto Michelle descartavam eventual candidatura dela. Agora, no entanto, o capitão já admite a possibilidade de sua mulher concorrer a um cargo legislativo, enquanto alguns de seus aliados projetam até voos mais altos. Expoentes da direita cogitam, por exemplo, o governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas, como candidato a presidente, com Michelle no posto de vice. A ex-primeira-dama costuma dizer que sua candidatura só sairá do papel se o coração dela “arder” pelo cargo em questão. Até 2026, há tempo de sobra para incentivar esse sentimento.
Nos planos preliminares de Bolsonaro e do PL, o Senado será alvo também de dois rebentos do ex-presidente. O capitão vetou a candidatura de Flávio Bolsonaro à prefeitura do Rio de Janeiro em 2024 por temer que outro integrante do clã sofra um novo revés em tão curto espaço de tempo. O ex-ministro e ex-candidato a vice-presidente Braga Netto, que escapou da inelegibilidade no julgamento do TSE, deve disputar na capital fluminense. Mantido o projeto atual, Flávio tentará a reeleição ao Senado em 2026. Até lá, participará ao lado do pai das escolhas dos concorrentes do PL às prefeituras no Rio e em grandes capitais, além de tocar seus negócios privados. O Zero Um tem um escritório de advocacia, uma empresa de marketing digital em sociedade com o pai e, recentemente, tornou-se dono de uma corretora de seguros instalada no mesmo prédio que abriga a sede do PL em Brasília. Jair e Flávio reconhecem a importância do mandato parlamentar para blindar o Zero Um de investigações, como o caso da rachadinha, que está parado, mas não devidamente enterrado.
O ex-presidente também planeja uma candidatura ao Senado de seu filho Eduardo, que bateu o recorde de votos na eleição para deputado em 2018 e assumiu a função de articulador da família com movimentos políticos conservadores. Nos últimos quatro anos, no entanto, o Zero Três perdeu capital político e financeiro. Seu Instituto Conservador-Liberal, instalado numa mansão em Brasília, não atraiu o número previsto de associados — hoje não seriam mais do que 100. Além disso, na eleição de 2022, Eduardo teve a metade dos votos obtidos quatro anos antes. Uma perda considerável, mas que não tira a confiança dele de conquistar um mandato de senador. “Os filhos representam o bolsonarismo na sua plenitude. Eles vão dar suporte ao pai na montagem dos palanques municipais”, diz um cacique do PL. Em Brasília, pouco se fala sobre o futuro do vereador Carlos Bolsonaro, que sempre teve uma atuação independente tanto de partidos quanto dos próprios irmãos. O Zero Dois continua ativo nas redes sociais, sua trincheira por excelência. Nos últimos dias, dedicou-se a espicaçar Lula por suas declarações desastrosas sobre a Venezuela. “Venezuela, Nicarágua, Argentina e tudo de podre que se aproxima nunca foi tão real. O sistema está acabando e vai continuar tentando destruir nosso país que saía da lama rapidamente”, escreveu numa rede social.
O fato é que o sistema — e especialmente a política tradicional — sempre foi a forma preferencial de sustento da família, a ponto de até Jair Renan se aventurar por esse caminho. Com uma série de negócios fracassados, o Zero Quatro, empregado no gabinete do senador bolsonarista Jorge Seif (PL-SC), com remuneração de 9 500 reais, é cortejado para ser lançado candidato a vereador em Balneário Camboriú, onde mora atualmente. “Conversei com Jair Renan sobre isso em uma reunião no gabinete do Seif em Santa Catarina. Ele mostrou muito interesse em concorrer a uma vaga a vereador”, diz o deputado estadual Carlos Humberto (PL-SC), líder do partido na Assembleia Legislativa do estado. Até o ano passado, o Zero Quatro vivia em Brasília com a mãe, Ana Cristina Valle, que fracassou na tentativa de se eleger deputada distrital em 2022 e deixou o país após a eleição. Fator de instabilidade no governo do capitão por responder a acusações de pilotar múltiplos esquemas de rachadinhas em benefício da família Bolsonaro, Ana Cristina se mudou para a Europa, naturalizou-se norueguesa e perdeu a cidadania brasileira, o que a impede de voltar a se apresentar nas urnas.
A três anos e meio das próximas eleições gerais, muita coisa pode mudar. A política, como se sabe, é cheia de reviravoltas. Aliados de Bolsonaro no Congresso, por exemplo, querem anistiá-lo. O capitão também tentará na Justiça reconquistar o direito de disputar eleições. Como todo líder político, ele não pretende passar o bastão a um sucessor sem que seja obrigado a fazê-lo. Se e quando isso ocorrer. Bolsonaro quer ter a garantia de que seus herdeiros — políticos e de sangue — estarão bem posicionados para conquistar mandatos eletivos. Afinal de contas, a empreitada familiar não pode parar.
Os planos políticos de Jair e Michelle Bolsonaro
Com os direitos políticos suspensos até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Jair Bolsonaro trabalhará para consolidar o seu papel de líder da oposição e de cabo eleitoral, principalmente de seus filhos e de sua esposa, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Logo após a derrota sofrida no TSE, o ex-presidente deu mostras contundentes de sua disposição para continuar no jogo e intensificar a polarização com Lula, que lhe garante visibilidade e mantêm o bolsonarismo-raiz mobilizado.
Numa entrevista, Bolsonaro disse que estava na UTI, mas não morto. Um de seus auxiliares mais próximos divulgou uma foto do capitão sem camisa, como forma de reavivar a memória da facada que ele sofreu na campanha de 2018 e, de quebra, o discurso segundo o qual o ex-presidente é vítima recorrente de perseguição. Bolsonaro também determinou ao seu partido, o PL, dono da maior bancada da Câmara, que votasse contra a reforma tributária, projeto prioritário do governo Lula, num sinal de que não haverá trégua no embate com o adversário. Aprovada pela Casa, a “reforma tributária do PT”, como a definiu Bolsonaro, recebeu votos favoráveis no primeiro turno de 20 dos 99 deputados do PL, em mais um revés para o capitão.
Enquanto não consegue reverter a própria inelegibilidade, Bolsonaro fará de tudo para ampliar o sucesso eleitoral de sua família. A principal aposta no clã é Michelle Bolsonaro, que assumiu a presidência do PL Mulher e está percorrendo o país em eventos partidários. Hoje, a ideia da legenda é lançá-la candidata ao Senado pelo Distrito Federal, que deu 58% dos votos válidos ao ex-presidente no segundo turno da corrida presidencial passada. A avaliação é de que, mesmo neófita, Michelle conquistará facilmente uma das duas vagas que estarão em disputa, repetindo o sucesso eleitoral de sua amiga Damares Alves.
De início, tanto Bolsonaro quanto Michelle descartavam eventual candidatura dela. Agora, no entanto, o capitão já admite a possibilidade de sua mulher concorrer a um cargo legislativo. A ex-primeira-dama costuma dizer que sua candidatura só sairá do papel se o coração dela “arder” pelo cargo em questão. Até 2026, há tempo de sobra para incentivar esse sentimento.
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