Música Pra não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré
A música "Pra não dizer que não falei das flores" foi escrita e cantada por Geraldo Vandré em 1968, conquistando o segundo lugar no Festival Internacional da Canção desse ano. O tema, também conhecido como "Caminhando", se tornou um dos maiores hinos da resistência ao sistema ditatorial militar que vigorava na época.
A composição foi censurada pelo regime e Vandré foi perseguido pela polícia militar, tendo que fugir do país e optar pelo exílio para evitar represálias.
Letra da música
Caminhando e cantando e seguindo a cançãoSomos todos iguais braços dados ou nãoNas escolas, nas ruas, campos, construçõesCaminhando e cantando e seguindo a canção
Vem, vamos embora, que esperar não é saberQuem sabe faz a hora, não espera acontecer
Pelos campos há fome em grandes plantaçõesPelas ruas marchando indecisos cordõesAinda fazem da flor seu mais forte refrãoE acreditam nas flores vencendo o canhão
Vem, vamos embora, que esperar não é saberQuem sabe faz a hora, não espera acontecer
Há soldados armados, amados ou nãoQuase todos perdidos de armas na mãoNos quartéis lhes ensinam uma antiga liçãoDe morrer pela pátria e viver sem razão
Vem, vamos embora, que esperar não é saberQuem sabe faz a hora, não espera acontecer
Nas escolas, nas ruas, campos, construçõesSomos todos soldados, armados ou nãoCaminhando e cantando e seguindo a cançãoSomos todos iguais braços dados ou nãoOs amores na mente, as flores no chãoA certeza na frente, a história na mãoCaminhando e cantando e seguindo a cançãoAprendendo e ensinando uma nova lição
Vem, vamos embora, que esperar não é saberQuem sabe faz a hora, não espera acontecer
Análise e interpretação
Com a sonoridade de um hino, o tema segue um esquema rimático simples (A-A-B-B, ou seja, o primeiro verso rima com o segundo, o terceiro com o quarto e assim por diante). Utiliza também um registro de linguagem corrente, com uma letra fácil de memorizar e transmitir a outras pessoas.
Assim, parece fazer referência às canções que eram usadas em passeatas, protestos e manifestações contra o regime, que se espalhavam pelo país no ano de 1968. A música era, então, usada como um instrumento de combate, que pretendia divulgar, de forma direta e concisa, mensagens ideológicas e de revolta.
Caminhando e cantando e seguindo a cançãoSomos todos iguais braços dados ou nãoNas escolas, nas ruas, campos, construçõesCaminhando e cantando e seguindo a canção
A primeira estrofe assinala isso, com os verbos "caminhando e cantando", que remetem diretamente para a imagem de uma passeata ou um protesto público. Lá, os cidadãos são "todos iguais", mesmo não existindo relação entre si ("braços dados ou não").
Referindo "escolas, ruas, campos, construções", Vandré pretendia demonstrar que pessoas de todos os extratos sociais e com diferentes ocupações e interesses estavam juntas e marchavam pela mesma causa. É evidente a necessidade de união que é convocada e a lembrança de que todos queriam a mesma coisa: liberdade.
Vem, vamos embora, que esperar não é saberQuem sabe faz a hora, não espera acontecer
O refrão, repetido várias vezes ao longo da música, é um apelo à ação e à união. Geraldo fala diretamente com quem escuta a música, chamando para a luta: "Vem". Com o uso da primeira pessoa do plural (em "vamos embora"), imprime um aspeto coletivo à ação, lembrando que seguirão juntos no combate.
Ao afirmar que “esperar não é saber”, o autor sublinha que quem está consciente da realidade do país não pode aguardar de braços cruzados que as coisas mudem. A mudança e a revolução não serão entregues de bandeja para ninguém, é necessário agirem rapidamente (“quem sabe faz a hora, não espera acontecer”).
Pelos campos há fome em grandes plantaçõesPelas ruas marchando indecisos cordõesAinda fazem da flor seu mais forte refrãoE acreditam nas flores vencendo o canhão
Nesta estrofe, é denunciada a miséria em que os agricultores e camponeses viviam e a exploração a que estavam sujeitos ("fome nas grandes plantações"). Existe também uma forte crítica aos pacifistas que pretendiam resolver a crise política com diplomacia e comum acordo, organizados em "indecisos cordões".
Os ideais de "paz e a amor" promovidos pelo movimento da contracultura hippie, oflower power, são simbolizados pelas flores (o "mais forte refrão"). É sublinhada a sua insuficiência contra o "canhão" (a força e a violência da polícia militar).
Há soldados armados, amados ou nãoQuase todos perdidos de armas na mãoNos quartéis lhes ensinam uma antiga liçãoDe morrer pela pátria e viver sem razão
Embora as forças militares simbolizassem o inimigo, o poder ditatorial, a música não desumaniza os soldados. Pelo contrário, lembra que estavam “quase todos perdidos de armas na mão”, ou seja, usavam da violência, matavam, mas nem eles mesmos sabiam porquê. Apenas obedeciam ordens cegamente, por causa da lavagem cerebral que sofriam: a "antiga lição / De morrer pela pátria e viver sem razão".
Os soldados, levados por um espírito de falso patriotismo, tinham que dedicar suas vidas e muitas vezes morrer em função do sistema que protegiam e do qual eram também vítimas.
Nas escolas, nas ruas, campos, construçõesSomos todos soldados, armados ou nãoCaminhando e cantando e seguindo a cançãoSomos todos iguais braços dados ou nãoOs amores na mente, as flores no chãoA certeza na frente, a história na mãoCaminhando e cantando e seguindo a cançãoAprendendo e ensinando uma nova lição
Na última estrofe, é reforçada a mensagem de igualdade entre todos os cidadãos e a urgência de partirem juntos para a luta, porque só através do movimento organizado poderia chegar a revolução.
A música lembrava que deviam avançar com os "amores na mente", pensando nas pessoas que amavam e foram vítimas da repressão militar. Para serem vitoriosos, era necessário deixarem "as flores no chão", ou seja, abandonarem as abordagens pacifistas.
Estava nas suas mãos "a história", a possibilidade de mudar a realidade do país e o futuro para todos os brasileiros . Deveriam continuar "caminhando e cantando" e "aprendendo e ensinando uma nova lição", transmitindo o seu conhecimento, despertando outras pessoas para a militância.
Significado da música
"Pra não dizer que nao falei das flores" é um convite à resistência política radical, um chamamento para todas as formas de luta necessárias para derrubar a ditadura.
Geraldo Vandré fala de flores para tentar mostrar que não é suficiente usar "paz e amor" para combater armas e canhões, sublinhando que a única forma de vencerem era a união e o movimento organizado.
Contexto histórico
1968: repressão e resistência
Em 1968, o Brasil enfrentava um dos piores momentos de repressão política, a instituição do AI-5: um conjunto de leis que conferiam poderes quase ilimitados ao regime.
Face ao autoritarismo e diversos episódios de violência policial, os estudantes universitários começaram a se mobilizar, fazendo protestos públicos que eram recebidos com agressões, mandatos de prisão e, por vezes, assassinatos.
Aos poucos, esses protestos foram se espalhando pelo país e outros grupos se juntaram ao movimento: os artistas, os jornalistas, os padres, os advogados, as mães, etc.
Censura
Apesar da censura que ameaçava, proibia e perseguia, a música se tornou um dos veículos artísticos usados para transmitir mensagens de cariz político e social.
Os interpretes estavam conscientes do perigo que corriam quando divulgavam publicamente as suas opiniões, mas arriscavam sua vida para desafiar o poder instituído e passar uma mensagem de força e coragem para os brasileiros.
Muitos anos depois do Festival Internacional da Canção de 1968, um dos jurados confessou numa entrevista que "Pra não dizer que não falei das flores" teria sido o tema vencedor. Vandré ficou em segundo lugar devido às pressões políticas que a organização do evento e a TV Globo, rede que emitia o programa, sofreram.
Geraldo Vandré: exílio e afastamento da vida pública
As consequências possíveis para quem desafiava o poder militar eram a prisão, a morte ou, para quem conseguia escapar, o exílio.
Por causa de "Pra não dizer que não falei das flores", Geraldo Vandré começou a ser vigiado pelo Departamento de Ordem Política e Social e teve que fugir.
Viajou por vários países como Chile, Argélia, Alemanha, Grécia, Áustria, Bulgária e França. Quando regressou ao Brasil, em 1975, preferiu se afastar das luzes da ribalta e se dedicar à carreira de advogado.
Sua canção e a mensagem política que ela transmitia, no entanto, entraram para a história da música e da resistência política brasileira.
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