A cultura dos dias na semana Santa
Professor Antonio Galas
Anos 1960. Semana Santa em Tutóia cidade do litoral maranhense. Nessa época os chamados dias grandes eram guardados com todo respeito. Era pecado tomar-se banho na Sexta-Feira da Paixão, ou receber dinheiro pela comercialização de algum produto.
Diziam que o Expedito Gonçalves, um cabo da Marinha que serviu na Capitania dos Portos em Tutóia, ficara com o corpo cheio de cabelos porque tinha tomado banho numa Sexta-Feira Santa. Na nossa infância conhecemos o Mola Deu, um mendigo que tinha dificuldade em pronunciar a expressão uma esmola pelo amor de Deus. Também comentavam que a causa disso é porque cometera uma atrocidade durante a Semana Santa. Tudo mito!
Mas mito ou verdade, tinha-se grande respeito pelos dias santificados. Música? Som alto? Nem pensar. As rádios transmitiam apenas músicas clássicas ou religiosas. E somente orquestradas.
A fartura imperava! A troca de bolo, de jejuns, muitas vezes chamadas de esmolas, entre pessoas amigas, era uma tradição.
Dona Zila Galas minha mãe adotiva fazia bolos como ninguém. Seus bolos eram bastante apreciados e por misso, nessa época muita gente levava jejuns para nossa casa com objetivo de receberem os saborosos bolos que ela fazia. Deu que, certa vez, durante esse período de Semana Santa, bateram palmas no portão e eu fui atender. Eu deveria ter entre nove e dez anos de idade. Encontro duas crianças mais velhas que eu, segurando uma bandeja de alumínio contendo cinco espigas de milho (descascadas) e um mói (*) de feijão verde. Ao me verem disseram: - viemos aqui deixar essa esmola que a mamãe mandou. Eu prontamente respondi: - aqui ninguém precisa de esmola não, nós somos ricos! Quanta ingenuidade! Quanta inocência na cabeça de uma criança!
As crianças, meio encabuladas já iam dando meia-volta quando dona Zila apareceu e contornou a situação. Mas de uma coisa eu tinha certeza: podia preparar as costas para as chibatadas no Sábado. Teria que aprender a ter humilde diante das pessoas.
Mas a expectativa de toda a criançada e também de muitos adultos era o Domingo da Ressurreição com a malhação e queima do Judas.
O Judas era confeccionado na sexta-feira ou no sábado, e escondido em algum lugar para que não fosse roubado, e até porque, tinha o desafio da procura no dia seguinte com mérito para quem o encontrasse.
Nesse dia os irmãos Reubem e Tufy filhos do Nagib, com a ajuda do primo Maurício ( o conhecido braço de radiola) filho do Fuad, confeccionaram o Judas e resolveram esconde-lo na alcova do casal Marta e Felipe Zeidan que o povo chamava de carcamanos.
A família Zeidan veio da Siria, um dos dezenove países que hoje formam o Mundo Árabe.
Trabalhadores, prosperaram em Tutóia, construíram uma grande prole e pelos seus méritos, fazem parte da história daquele município. Eram conhecidos como os carcamanos . Todavia, é errado se dizer que os árabes, quer sejam sírios, libaneses, ou de outro país desse bloco são carcamanos, tendo em vista que esta expressão é de origem italiana, pois foram os italianos os primeiros imigrantes a chegar em São Paulo.
Mas voltando ao Judas escondido na casa do casal Marta e Felipe Zeidan, vazou a informação e alguém da minha turma, não lembro quem, foi roubar o tal Judas. Sorrateiramente entrou no quarto, apoderou-se do dito cujo colocando-o sobre o ombro e rumou para dar o fora da casa. Na saída, por causa do escuro do quarto (energia elétrica só até as 22 horas e quando tinha!) e da pressa, o pseudo ladrão tropeçou num pinico esmaltado provocando um barulho infernal. Apressado em deixar o quarto, e talvez pelo mais puro azar, esbarrou na rede de dona Marta acordando a distinta senhora. Foi quando se ouviu num português arrastado e bem alto a seguinte frase : - Acoorrrda Feliiipa q'uistão nos rrruuubaaanndo!
Aí não teve jeito: jogou o Judas no chão e pernas pra que te quero!
(*) Mói é uma contração utilizada no nordeste para "molho", significando uma certa quantidade.
Texto: Antonio Gallas
Ilustração: Foto da WEB modificada do aplicativo "Pencil Sketch (play store)
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