sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Saúde- uma exortação aos novos gestores



MINHA afinidade com as causas ligadas a saúde pública vem desde a criação do Sistema Único de Saúde – SUS, no começo dos anos 1990. Aumentou quando, no final daquela década prestei serviço ao Município de Coroatá e, naquela época travamos uma briga com o governo estadual que se recusava a reconhecer gestão plena do município e ser um prestador de serviços através do seu hospital Mamede Trovão.
Naquela época junto com o economista Pedro Jansen Rodrigues Filho – ainda hoje uma das maiores autoridades no assunto – estudamos e interpretamos a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8080/90), as NOB’s, as portarias; travamos conhecimento com os conceitos de gestão plena, comissões intergestoras bipartite e tripartite e por aí vai.
De lá para cá, vez ou outra somos chamados a fazer alguma defesa, fazer algum estudo sobre a questão da saúde. Com base nisso é que, também, vez ou outra, nos vemos tentados a escrever sobre o assunto.
O Sistema Único de Saúde – SUS do Brasil é um dos mais completos e humanizados que existe. Garante, conforme mandamento constitucional, que todo cidadão brasileiro tenha direito a saúde, que seja atendido com dignidade e respeito, desde um singelo curativo até uma cirurgia de alta complexidade como as são as do cérebro, do coração, etc.
Se o SUS fosse colocado em prática conforme estabelece a lei e suas normas, certamente, o Brasil, tão acostumado a ficar na rabeira de tudo quanto é fila, estaria bem na frente como exemplo para tantos outros países. Infelizmente e para infelicidade geral dos brasileiros, ao longo dos anos, os próprios gestores não têm contribuído para o aprimoramento do sistema. Pelo contrário, parece-nos, infelizmente, que pouco dispõem a conhecê-lo ou não têm interesse que o mesmo funcione como foi pensado pelo legislador.
Vejamos o caso do Maranhão. E é para isso que faço a exortação aos novos gestores.
Desde muito tempo somos sabedores das perdas de recursos que o Estado do Maranhão vem sofrendo. Sempre nos debatemos quanto a isso.
No ano de 2015, participei de um profundo estudo com um pequeno grupo quando fizemos um levantamento sobre estas perdas.
Apenas para se ter uma ideia, o estado perdeu mais de 500 milhões em 2015 e mais de 600 milhões em 2016, projetando uma perda de igual ou superior tamanho para o ano de 2017 e para os anos seguintes. Nem falemos nas perdas pretéritas.
Isso ocorre porque o Ministério da Saúde, em desobediência ao artigo 35 da Lei 8080/90, faz a alocação dos recursos com base na série histórica de produção ambulatorial e hospitalar que era utilizada antes da criação do SUS e suas normas legais, quando a operacionalização do sistema de saúde era de exclusiva responsabilidade dos INAMPS.
Ora, a lei desobedecida é clara quanto ao rateio de recursos:
“Art. 35. Para o estabelecimento de valores a serem transferidos a Estados, Distrito Federal e Municípios, será utilizada a combinação dos seguintes critérios, segundo análise técnica de programas e projetos:
I – perfil demográfico da região;
II – perfil epidemiológico da população a ser coberta;
III – características quantitativas e qualitativas da rede de saúde na área;
IV – desempenho técnico, econômico e financeiro no período anterior;
V – níveis de participação do setor saúde nos orçamentos estaduais e municipais;
VI – previsão do plano qüinqüenal de investimentos da rede;
VII – ressarcimento do atendimento a serviços prestados para outras esferas de governo.
§ 1º Metade dos recursos destinados a Estados e Municípios será distribuída segundo o quociente de sua divisão pelo número de habitantes, independentemente de qualquer procedimento prévio”. (parágrafo revogado pela Lei Complementar 141/2012).
Veja-se, que ao invés de regulamentar, revogou-se o parágrafo acima.
Em consequência desta distorção o Maranhão recebe – 38,42% de recursos em relação a média da percapta nacional. Isso quer dizer que enquanto estados como Alagoas recebem R$ 224,95; Piauí R$ 227,88; Sergipe R$ 211,37; Pernambuco R$ 222,90 por ano para tratar seus pacientes, o Estado do Maranhão recebe apenas R$ 156,00 para tratar os seus. Isso para ficarmos apenas na região nordeste. Se pegarmos estados como Tocantins que recebe R$ 244,69; Acre que recebe R$ 243,35; ou o Rio Grande do Sul que recebe R$ 234,31 as perdas do Maranhão ficam muito mais expressivas.
Esse estudo já foi apresentado ao secretário de saúde e foi objeto de um debate na Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa, através de uma audiência publica.
As autoridades do Maranhão precisam se empenhar para buscar estes recursos. Não faz sentido que estados como Tocantins, Acre ou Rio Grande do Sul recebam quase R$ 100,00 a mais que o Maranhão para tratarem seus pacientes. Não faz sentido que em dois anos tenhamos perdido mais de um bilhão de reais que poderiam ser investidos na saúde da nossa população e quando se constata a nossa situação diante de outro comparativo que é a per capta absurda hoje entre 217 municípios maranhenses chegando a se deparar com per captas inferiores a R$10,00 em mais de 48 municípios, sendo oportuno destacar o de Araioses que recebe anualmente R$ 1,90 para garantir a 45.000 habitantes o atendimento de todos os serviços mais complexos tais como Hemodiálises, Cardiologia, Oncologia, Ortopedia, Transplantes etc. que somados ao deslocamento, hospedagem, alimentação mostra claramente que estão sendo condenados a enfermidade crônicas até o desfecho final de suas vidas (TFD).
Só achamos a situação do Maranhão ruim quando não a comparamos com a situação dos 217 municípios maranhenses. Nos municípios, onde ocorrem as demandas por atendimento, onde o promotor ou o juiz, dia sim e no outro também, notificam os prefeitos ou secretários de saúde para que estes garantam o atendimento do paciente – que tem direito e não pode esperar –, a situação é verdadeiramente calamitosa.
Apenas para se ter uma ideia dezenas de municípios maranhenses não recebem, sequer, R$ 10, 00 (dez reais)/ano per capita para o atendimento de suas populações. Como vai atender um TFD (Tratamento Fora do Domicilio)? Atende, porque obrigado – pelo promotor, pelo juiz ou por sua consciência –, fazendo artifícios contábeis, tirando daqui ou dali.
Se tomássemos como parâmetro a maior percapta do país, a do Tocantins com R$ 244,69, municípios como Açailândia que recebeu durante todo o ano de 2016, R$ 3.924.286,29, uma per capita R$ 35,77, receberia o valor de R$ 26.838.822,62, o que daria uma parcela mensal R$ 2.238.551,00 (quase o valor anual recebido); Afonso Cunha que recebeu em 2016, R$ 95.656,63, uma per capita de R$ 15,06, teria direito a receber R$ 1.554.026,19, o que daria uma parcela mensal de R$ 129.502,18 (valor superior ao que recebeu ao longo do ano); Alto parnaíba que recebeu R$ 21.622,00 durante aquele ano, o que representa um per capita de R$ 1,97 (um absurdo), teria direito na verdade a receber R$ 2.680.823.64, uma parcela mensal de R$ 223.401,97 (quase dez vezes o que recebeu durante todo o ano); Buriticupu que recebeu R$ 6.390.920,88, uma per capita de R$ 90,75, teria direito a R$ 17.230.335,73, o que daria uma parcela mensal de R$ 1.435.861,31; Carutapera que recebeu R$ 5.681.457,11, uma per capita de R$ 25,08, teria direito a receber R$ 5.098.664,45, o que daria uma parcela mensal de R$ 473.454,75; Gonçalves Dias que recebeu durante o ano R$ 685.524,05, uma per capita R$ 39,99, teria direito, na verdade, a R$ 4.301.405,5, o que daria uma parcela mensal de R$ 358.450,45; Lagoa do Mato que recebeu durante todo ano R$ 35.607,60, uma per capita R$ 1,61, teria direito, na verdade a receber R$ 2.910.098,17, o que representaria uma parcela mensal de R$ 242.508,18; Paço do Lumiar que recebeu R$ 4.084.622,40, o que representa uma per capita de R$ 34,65, teria direito a receber R$ 28.843.323,13, o que daria uma parcela mensal de R$ 2.403.610,26; Pinheiro que recebeu R$ 3.139.341,05, para uma per capita de R$ 38,54, deveria receber
R$ 19.927.064,22, o que daria uma parcela de R$ 1.660.588,68 por mês; Santa Luzia do Paruá recebeu durante o ano R$ 851.593,41, uma per capita de apenas R$ 1,19, deveria receber R$ 6.034,789,47, o que daria R$ 502.899,12 por mês; Timon que recebeu R$ 9.512.658,94, o que representa uma per capita de R$ 57,69, deveria ter recebido R$ 40.341.795,61 o que daria R$ 3.361.816,30 por mês; Zé Doca que recebeu R$ 1.744.093,68 uma per capita de R$ 34,53, deveria receber R$ 12.358.557,83, o que daria R$ 1.029.879,81 por mês.
Esta é a realidade que se repete de A a Z dos municípios maranhenses, apenas aqueles unidades que receberam por uma per capta inferior a 10 reais tiveram uma perda de R$ 118.799.907,30.
Faz-se necessário que os gestores municipais que sofrem no dia a dia com as questões relacionadas à saúde se unam para buscar a recomposição de seus tetos, devendo o Estado fomentar o processo de habilitação destes municípios para gerirem seus próprios recursos, inclusive estes que estão sob a gestão estadual.
Não é admissível que um paciente de Lagoa Grande, por exemplo, receba uma per capita de R$ 1,61, tenha que se deslocar até a Secretaria Estadual de Saúde para garantir o seu atendimento, numa situação de hemodiálise.
O que vem acontecendo é que os municípios estão “bancando” isso com retirada de recursos de outros setores da administração, quando na verdade deveriam fazer uso do recurso da Média e Alta Complexidade (MAC) se estes estivessem sob sua gestão.
Essa situação agravou-se substancialmente na gestão da senhora Roseana Sarney, quando houve uma pseudo recomposição dos tetos. Promessa que não se concretizou, estabelecendo a situação de anormalidade demonstrada acima.
A forma de distribuição dos recursos entre os entes federados, como demonstramos, tem sido extremamente injusta. Embora se almeje o maior valor per capita (Tocantins) a situação dos municípios é infinitamente pior que a do Maranhão, uma vez que nenhum município recebe a per capita estabelecida para o Estado, que é R$ 156,00.
Esta é a situação que precisa ser corrigida. O primeiro passo, na nossa opinião, é buscar junto Ministério da Saúde a diferença para o maior teto pago, e depois recompor os tetos municipais através de uma nova Programação Pactuada Integrada (PPI).
Entendemos que esta seria a solução para acabar com o desfinanciamento do sistema de saúde do Maranhão, que esta condenando muitos dos nossos irmãos a morte.
Abdon Marinho é advogado.

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