Ensino Médio Reforma
O Senado
aprovou na quarta-feira(8), por 43 votos a 13, a Medida Provisória que institui
a reforma do Ensino Médio. Anunciada pelo presidente Michel
Temer às pressas em setembro do ano passado, a reforma passou
nesta quarta-feira pela última votação, após ter sido aprovada na Câmara no
final do ano passado e provocar uma onda de ocupações nas escolas de
estudantes que cobravam debate sobre as mudanças.
A maior mudança será a flexibilidade do currículo: 60% da grade
curricular será composta de disciplinas obrigatórias e 40% serão optativas. Ou
seja, no meio do curso, o estudante terá que escolher uma das cinco áreas para
se especializar: linguagem e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias;
ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas
ou formação técnica profissional. Para toda a rede, a carga horária aumentará,
gradativamente, das atuais 800 horas anuais para 1.400 horas.
Além disso, a escola não será mais obrigada a oferecer as disciplinas de
artes e educação física, restringindo essa obrigatoriedade somente ao ensino
infantil. Somente português e matemática serão obrigatórios nos três anos. As
demais disciplinas dependem das opções do estudante e da grade curricular
oferecida pelo Estado. Por exemplo, inglês, disciplina que a escola ainda será
obrigada a ofertar, pode ser cursada somente no primeiro ano. Fica facultativo
oferecer uma segunda língua. Outra mudança é que os conteúdos cursados no
Ensino Médio poderão ser aprovados na Universidade.
A necessidade de uma reforma no Ensino Médio é
praticamente um consenso entre especialistas e educadores, mas um dos pontos mais criticados do
atual processo foi o fato de ter sido feita por meio de uma Medida Provisória,
o que implica caráter de urgência para aprovação e implantação, limitando a
possibilidade de debate sobre as mudanças que afetarão todos os estudantes do
país. "Esse projeto estava na Câmara desde 2012", afirma o senador
Pedro chaves (PSC-MS), relator do projeto, ao defender a Medida Provisória.
"É um tema de urgência", diz. Ao longo do ano passado, a reforma do
Ensino Médio e a PEC do teto de gastos foram as duas principais razões pela
qual estudantes ocuparam escolas em diversos
Estados.
A falta de consenso também ocorreu no Senado. Durante a sessão, os
senadores debateram exaustivamente a medida, que já foi aprovada na Câmara.
"Quero pedir que nós não cometamos mais um erro nesta casa. Estamos
mexendo na vida dos meninos e jovens brasileiros e precisamos amadurecer essa
discussão", disse a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR). "Senão vamos
mentir de novo para a população brasileira", afirmou, pedindo mais tempo
para debater a proposta. Apesar dos apelos, o texto foi a votação.
Para Carlos Roberto Jamil Cury, especialista em legislação educacional,
o foco na obrigatoriedade de português e matemática aponta para os conteúdos
que serão mais explorados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “A
obrigatoriedade apenas dessas duas disciplinas ao longo dos três anos me parece
que define os conteúdos que cairão no Enem”, diz. “E isso é um problema, porque
é limitador”, afirma. Já Cláudia Costin, professora de Harvard e da Fundação
Getúlio Vargas, critica a aprovação sem debate e por mecanismo de urgência, mas elogia os
termos da mudança: "De maneira geral, vejo com bons olhos a
proposta que saiu [...] Hoje temos 13 disciplinas na grade curricular de
alguns Estados, chegando a ter até 15 disciplinas em outros para uma carga de
quatro horas e meia por dia. Não é razoável. Dos 30 países que ficaram em primeiro lugar no
Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes],
nenhum tem uma carga assim." Ela não vê com maiores problemas o fim
da obrigatoriedade do ensino se sociologia e filosofia: "Acho interessante
que não seja necessariamente por meio de uma disciplina. Você pode ensinar
sociologia inserida na disciplina da física, por exemplo. Não precisa ser uma
disciplina à parte".
A medida também institui a Política de Fomento à Implementação de
Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, para ampliar o número de
instituições com aulas no período integral. De acordo com o texto, o Ministério
da Educação terá de repassar os recursos aos Estados pelo prazo de dez anos por
escola, a partir do ano da implementação do Ensino Médio integral. Em um
momento em que o Governo aprova o maior ajuste fiscal das últimas décadas, com a PEC do teto de gastos,
fica a dúvida de que maneira os investimentos na educação integral serão
feitos. “Tudo isso requer investimento, e não é um investimento simbólico”,
afirma Cury.
Formação técnica x
intelectual
Se por um lado o estudante terá a possibilidade de estudar temas com que
tenha maior afinidade, por outro, a oferta da formação técnica profissional
como uma das cinco possíveis escolhas gera outra preocupação. "Isso vai
confirmar algo que na história educacional do Brasil é muito recorrente, que é
o que chamamos de dupla rede, a do homo sapiens e homo saber”, segue Cury. “A LDB [Lei de Diretrizes e
Bases da Educação, que define e regulariza a organização da educação brasileira]
diz que o Ensino Médio é responsável pela formação completa do cidadão. Agora,
[com essas mudanças] você está cortando a maçã pelo meio, entre quem terá
formação operária e quem terá a formação intelectual”.
Outra questão importante em relação às cinco possibilidades de escolha é
a dúvida sobre a capacidade que as escolas terão de ofertar todas as opções.
Nada garante que os colégios terão estrutura para ofertar as cinco
possibilidades. "Na prática, isso vai limitar as possibilidades de escolha",
disse ao EL PAÍS a professora Ângela Soligo, do departamento de Psicologia
Educacional da Faculdade de Educação da Unicamp, quando a Medida Provisória foi
anunciada, em setembro. "Por exemplo, um jovem que mora na Lapa
(na zona oeste), em São Paulo, e quer a especificidade que só tem Itaquera
(zona leste) ele não vai até lá. Ele vai escolher a especificidade se tiver na
escola dele".
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