CCJ cancela eleições e dá 2 anos de mandato a prefeitos e vereadores
Eleições de 2020 poderão ser canceladas e se isso ocorrer os prefeitos e vereadores terão seus mandatos alongados até 2022.
Relator na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, o suplente de deputado Valtenir Pereira (MDB), que ocupa a cadeira do deputado Carlos Bezerra (MDB), emitiu parecer favorável à PEC 376, de 2009, de autoria do deputado federal Ernandes Amorim (PR), que trata sobre o período de vigência de mandatos políticos.
A medida visa alinhamento dos mandatos políticos de gestores de estados e municípios. Nesse caso os cargos municipais passam a ser disputados juntos com os estaduais e federais. Caso a regra passe a valer, as eleições de 2020 serão canceladas e os prefeitos e vereadores terão seus mandatos alongados até 2022.
A mobilização política é para que a medida seja aprovada esse ano na Câmara Federal.
Se a proposta for aprovada, prefeitos e vereadores serão beneficiados com mais dois anos de mandato. Mas políticos do Executivo não poderão disputar reeleição.
Além do alinhamento dos pleitos, a medida aumenta de 8 para 10 anos, o mandato de senador, estabelece o mandato de 5 anos para todos os cargos eletivos e põe fim à reeleição para prefeitos e governadores.
Fonte: Repórter MT
Reeleição e continuísmo nos municípios brasileiros
Thomas Brambor; Ricardo Ceneviva
A emenda constitucional nº 16, de 4 de junho de 1997, introduziu o instituto da reeleição no sistema eleitoral brasileiro. Essa emenda estabeleceu o direito de chefes do Poder Executivo disputarem a reeleição para a mesma função, para um único mandato, e no exercício do cargo. Desde sua introdução, já foram realizadas sete eleições - quatro gerais e três locais - sob o regulamento da nova legislação e os debates, tanto na academia como entre decisores políticos, sobre suas consequências políticas e institucionais têm se intensificado a cada novo pleito1.
Os defensores da reforma constitucional argumentam que o direito de reeleição pode ser uma forma de aperfeiçoar a capacidade decisória dos eleitores, permitindo punir o mau governante ou premiar o bom administrador. A reeleição funcionaria como um instrumento de responsabilização eleitoral,isto é,de accountability dos governantes. Há também quem argumente que a possibilidade de reeleição encorajaria o voto retrospectivo, embora as evidências empíricas a esse respeito sejam mais controversas. Nesse cenário, o eleitor vota não com base na sua avaliação prospectiva das diferentes políticas propostas pelos candidatos mas,pelo contrário, a partir de uma avaliação retrospectiva da administração do governante e decide se ele deve ou não permanecer no cargo por mais quatro anos2.
Para seus críticos, o direito de reeleição dos chefes do Executivo fere os princípios de alternância no poder, de limitação temporal e, principalmente, de equidade nas condições de competição política. O candidato que ocupa um cargo público gozaria de poderes excepcionais, como o uso da máquina pública, durante o processo eleitoral. Ou seja, a possibilidade de reeleição motivaria os candidatos que buscam se reeleger no exercício do cargo a utilizar a máquina pública para obter sucesso eleitoral. Ademais, a reeleição estabeleceria um incentivo à personalização do poder e, principalmente, à perpetuação das elites políticas no poder.
Os resultados das últimas quatro eleições municipais contradizem, no entanto, os temores de continuísmo político e perpetuação das elites políticas locais. A análise dos resultados eleitorais dos municípios indica que aparentemente não houve, nesse período, nenhuma vantagem eleitoral significativa decorrente da incumbência da prefeitura. Isto é, os prefeitos que concorreram à reeleição no exercício do mandato público não desfrutaram de vantagem eleitoral relevante nas eleições municipais. Na verdade, nossos resultados apontam que os prefeitos que tentaram a reeleição no exercício do cargo sofreram uma considerável corrosão em seu desempenho eleitoral. Por conseguinte, a taxa de prefeitos elegíveis que lograram obter um segundo mandato foi baixa.
CONTEXTO INSTITUCIONAL E REVISÃO DA LITERATURA
Os governos locais gozam de autonomia política e fiscal substancial no Brasil.Em particular,os governos locais são responsáveis pela proteção do patrimônio histórico e cultural,pela regulamentação do uso e da ocupação do solo, pela organização e prestação de serviços públicos de interesse local (como saúde, educação, transporte público e assistência social), bem como alguns programas focalizados de transferência condicionada de renda3. Prefeitos têm autoridade considerável sobre as decisões orçamentárias e o preenchimento de cargos nos governos locais.Em um arranjo constitucional pouco comum, os municípios são considerados entes federados autônomos: não são politicamente subordinados sequer aos estados nos quais estão localizados, o que implica que um prefeito é autoridade soberana em sua circunscrição. Como resultado, as eleições municipais são relevantes politicamente e sua importância é reconhecida pelos eleitores brasileiros.
Desde a aprovação da emenda constitucional que criou a reeleição, foram realizadas eleições locais no Brasil nos anos de 2000, 2004 e 2008. Estas foram as primeiras eleições nas quais os chefes dos Executivos municipais puderam concorrer a mais um mandato no exercício do cargo. Será que essa situação - a incumbência do mandato - afetou de maneira significativa a sorte eleitoral dos prefeitos que concorriam à reeleição?
Hoje, há consenso nos trabalhos empíricos que os congressistas desfrutam de uma considerável vantagem eleitoral nas eleições legislativas nos EUA4. Embora a magnitude dessa vantagem seja um pouco mais controversa, estima-se que em média cerca de 90% dos deputados que concorreram à reeleição nas últimas décadas foram bem-sucedidos em permanecer no Congresso por pelo menos mais um mandato. As evidências empíricas reunidas por esses trabalhos sugerem que essa vantagem eleitoral deve-se a fatores ligados direta ou indiretamente ao exercício do mandato público, tais como: exposição na mídia; facilidades para obter recursos para o financiamento de campanhas; disponibilidade de recursos governamentais que podem ser utilizados para mobilizar e angariar o apoio do eleitorado e, finalmente, capacidade para dissuadir desafiantes competitivos de concorrer.
No caso brasileiro, embora a literatura sobre a vantagem eleitoral dos ocupantes de cargos públicos seja ainda incipiente, há um importante corpo de pesquisas correlatas que têm procurado entender os padrões de recrutamento dos partidos, as estratégias de carreira dos deputados,e seu impacto para o funcionamento do Congresso.Os trabalhos que examinaram as taxas de reeleição dos deputados federais brasileiros indicam que a renovação na Câmara é de cerca de 50% dos congressistas a cada nova legislatura.
Trabalhos sobre as consequências do direito de reeleição para os Executivos no Brasil são ainda mais escassos. Alguns economistas, no entanto, têm produzido estudos que tentam avaliar o impacto dos gastos públicos, do comportamento fiscal, e da prevalência de ciclos políticos orçamentários sobre a probabilidade de reeleição dos prefeitos ou governadores5. Esse conjunto de estudos certamente contribuiu para o avanço de nossa compreensão sobre alguns efeitos fiscais da emenda da reeleição de 1997. Especialmente, eles aprofundaram nossa compreensão sobre como a possibilidade de reeleição pode afetar o comportamento dos gastos dos governos.No entanto,esse corpo de obras acrescenta muito pouco para aprofundar os conhecimentos sobre os efeitos eleitorais da incumbência para candidatos ou partidos políticos que tentam ser reconduzidos ao poder.
Barreto6 foi um dos primeiros autores que buscou compreender os efeitos eleitorais do direito de reeleição para os prefeitos brasileiros. Ele analisa os resultados eleitorais das 26 capitais e de outros 36 municípios (como mais de 200 mil eleitores) nos três últimos pleitos e conclui que "em mais de 70% dos casos o prefeito consegue se reeleger, independentemente do oponente" se um ex-prefeito ou desafiante7. Deliberador e Komata8, seguindo os passos de Barreto, analisam os resultados das eleições de 2008 para um subconjunto de 41 municípios (as 26 capitais e outros 15 municípios da região metropolitana de São Paulo) e também encontram uma significativa vantagem eleitoral dos prefeitos candidatos à reeleição. Segundo os autores, os resultados favoráveis aos prefeitos demonstraria que seus desafiantes não dispõem dos meios para enfrentar as vantagens eleitorais provenientes do mandato público.
Esses estudos, apesar dos méritos teóricos e do pioneirismo sofrem, no entanto, de problemas metodológicos relevantes, que colocam em suspensão suas conclusões. Em primeiro lugar, ambos valem-se de subconjuntos de municípios pouco representativos do universo de mais de 5.560 municípios brasileiros. Nossas análises indicam que as capitais dos estados, assim como o pequeno conjunto de cidades com mais de 200 mil eleitores - nas quais se realiza um segundo turno com os dois candidatos mais votados caso nenhum dos postulantes alcance mais de 50% dos votos -, apresentam resultados muito diversos daqueles encontrados para a totalidade dos municípios do Brasil.
Em segundo lugar, embora a ideia de que o cargo de prefeito pode fornecer vantagens eleitorais inerentes à função pública pareça intuitiva e fácil de entender, a questão de como corretamente estimar o efeito da incumbência sobre os resultados eleitorais dos partidos ou dos candidatos continua sendo uma tarefa não trivial. A aplicação ingênua de métodos de regressão, via Mínimos Quadrados Ordinários, gera estimativas enviesadas. Mais importante, uma correlação positiva entre a incumbência e os resultados eleitorais não implica que haja, de fato, um relação causal entre a incumbência e o desempenho eleitoral,principalmente porque vários atributos não observados - como carisma, força do partido no município, etc. - podem ser correlacionados tanto com o fato de um determinado candidato ser eleito prefeito,em primeiro lugar,como com o seu sucesso eleitoral na próxima eleição.
Esses fatores não observados incluem mas não se limitam ao fato de que os prefeitos que se reelegem já venceram uma eleição e, portanto, já demonstraram ter algum tipo de vantagem com relação aos demais candidatos. Além disso, candidatos podem entrar e sair estrategicamente dos pleitos de acordo com a sua avaliação das chances eleitorais. Nesse sentido,idealmente, as estimativas do efeito eleitoral da incumbência deveriam levar em conta tanto esses fatores não observáveis,bem como outras diferenças observáveis dos candidatos, de seus partidos e dos municípios.Evidentemente, isso não é possível em muitos contextos9.
A literatura mais recente sobre os efeitos eleitorais da incumbência nos Estados Unidos tem se valido de uma variedade de técnicas experimentais ou quase experimentais de pesquisa para lidar com esses problemas metodológicos. Levitt e Wolfram10 utilizam pares de candidatos que se enfrentam repetidamente em eleições consecutivas para estabelecer um controle das características individuais dos candidatos que podem afetar os resultados eleitorais.Ansolabehere,Snyder e Stewart11 utilizam alterações na delimitação territorial dos distritos eleitorais nos EUA para distinguir a parcela da vantagem eleitoral que deriva dos vínculos pessoais dos candidatos com os seus eleitores dos benefícios eleitorais provenientes do exercício do cargo. Lee12, em artigo de grande impacto, foi o primeiro a empregar o modelo de regressão descontínua para identificar os efeitos eleitorais da incumbência para os partidos políticos na Câmara dos Representantes dos EUA.
A abordagem inovadora de Ler consiste em efetivamente comparar apenas os distritos eleitorais nos quais os partidos venceram a eleição anterior por uma margem muito pequena de votos.A ideia básica dessa abordagem é que esses distritos - onde democratas ou republicanos tiveram vitórias apertadas - são muito parecidos entre si, exceto pelo fato de que um determinado partido político venceu ali a última eleição. Usando essa metodologia, Lee encontra que o partido político no poder tem, aproximadamente, 40% mais chances de manter sua cadeira na Câmara dos Representantes nas eleições subsequentes do que o partido desafiante de conquistá-la.
Titiunik13 fez o primeiro esforço rigoroso para contornar os problemas metodológicos apontados acima nos estudos sobre a vantagem eleitoral dos prefeitos nas eleições municipais no Brasil.Ela vale-se de um modelo de regressão descontínua, como proposto inicialmente por Lee, para analisar a vantagem da incumbência dos partidos políticos brasileiros. Utilizando os dados das eleições municipais de 2000 e 2004 para todos os municípios brasileiros,Titiunik encontra evidências de um forte efeito eleitoral negativo da incumbência, tanto na margem de voto dos partidos como na probabilidade de o partido permanecer no poder14.
Para o PMDB, o maior partido brasileiro em nível local, ela estima que a incumbência da prefeitura em 2000 gerou um efeito negativo de cerca de 20% na probabilidade de ganhar as eleições de 2004. A desvantagem da incumbência estimada em termos de margem de voto para o PMDB é de aproximadamente 6 pontos percentuais. Para o PFL, a incumbência do cargo em 2000 afeta negativamente a probabilidade de ganhar em 2004, aproximadamente, em 20% e a margem de voto em quase 4,5 pontos percentuais. Finalmente, para o PSDB, o efeito da incumbência sobre a probabilidade de ganhar é também negativo, mas não é estatisticamente significante nas várias especificações consideradas por ela.O efeito estimado na margem de voto também é estatisticamente não significante para todas as especificações.
Nossa maior crítica ao excelente esforço de Titiunik de quantificar os efeitos da incumbência para as eleições locais brasileiras é o seu foco exclusivo na incumbência dos partidos em um contexto onde as legendas partidárias são fracas e desfrutam de pouca lealdade dos eleitores (e dos candidatos). Na verdade, o ambiente institucional do sistema eleitoral brasileiro produz incentivos para práticas políticas individualistas e para a busca do voto pessoal. Ou seja, em vez de destacar as características do seu partido,os políticos tendem a adotar estratégias de campanha individualistas15. Além disso, os baixos níveis de polarização ideológica no sistema partidário brasileiro,combinados a um sistema eleitoral majoritário, levam a uma forte prevalência de coligações partidárias nas eleições para executivos locais.De acordo com nossas análises, nas eleições de 2000, 73,7% de todos os candidatos locais estavam concorrendo por coligações partidárias.Em 2004,esse número é ainda maior, com, aproximadamente, 80% dos candidatos apoiados por mais de um partido político. Nesse contexto, estimar tão somente a vantagem eleitoral dos partidos incumbentes e desconsiderar a vantagem eleitoral dos candidatos detentores de mandatos parece não fazer muito sentido do ponto de vista analítico.
Além da fraqueza do vínculo dos partidos políticos junto ao eleitorado brasileiro, existem outras diferenças institucionais entre os EUA e o Brasil que tornam problemática a aplicação ingênua da abordagem de regressão descontínua, tal como proposto por Lee, ao contexto brasileiro. Primeiro, no lugar de um sistema bipartidário estável como nos EUA, no sistema multipartidário brasileiro observamos 27 siglas políticas, no período analisado. Em vez de examinar a vantagem eleitoral da incumbência para todos os partidos políticos que participaram das eleições municipais em 2000 e 2004, Titiunik opta por investigar apenas o comportamento eleitoral dos três maiores partidos após as eleições municipais de 2000 - PMDB, PSDB e PFL -, cujo controle sobre o total de prefeituras no Brasil diminuiu de 58% nas eleições de 2000 para 36% em 2008. Ademais, a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência em 2002 teve efeito significativo para a sorte eleitoral do pt,cuja participação eleitoral saltou de, aproximadamente, 15% do total de votos para prefeito nas eleições de 2000 para quase 18% nas eleições de 2004. Por qualquer medida que se adote, o PT tem sido uma das mais importantes legendas partidárias do Brasil e não pode ser deixado de fora de qualquer investigação eleitoral. Nesse sentido,a desvantagem eleitoral da incumbência para os três partidos com o maior número de prefeituras em 2000 pode ser, na verdade, decorrência dos expressivos ganhos eleitorais do PT nas eleições locais de 200416.
Uma segunda diferença institucional relevante, desconsiderada na análise de Titiunik,é a presença de troca de partidos políticos.Ao contrário dos EUA, a mudança de partido é um fenômeno político comum no Brasil. De acordo com nossos dados, quase 14% de todos os candidatos a prefeito mudaram de partido político entre as eleições municipais de 2000 e 2004. Os candidatos provavelmente mudam de partido político por razões estratégicas - melhorar suas chances eleitorais ou aumentar seu acesso a recursos políticos. Em suma,Titiunik apresentou até o momento a melhor tentativa de quantificação dos efeitos eleitorais da incumbência nas eleições locais brasileiras. No entanto, seu foco exclusivo nos partidos, aliado à omissão do Partido dos Trabalhadores (pt) da análise colocam em dúvida seus resultados.
O MODELO DE REGRESSÃO DESCONTÍNUA E OS PARES DE CANDIDATOS REPETIDOS
Nossa abordagem busca construir uma alternativa a algumas das limitações metodológicas dos estudos anteriores. Os avanços metodológicos recentes que permitiram melhor compreender e mensurar os efeitos eleitorais da incumbência foram propostos, até o presente, no contexto eleitoral norte-americano, no qual prevalecem eleições majoritárias e um sistema bipartidário estável.No caso das eleições municipais brasileiras,onde temos eleições majoritárias e um sistema multipartidário, que pode ser considerado volátil, propomos algumas modificações desses métodos já consolidados na literatura internacional.
Nosso ponto de partida são os candidatos que concorrem repetidamente para um mesmo cargo eletivo. Esquematicamente, um candidato a prefeito que concorre - como desafiante -, ganha, e depois retorna na eleição subsequente como prefeito pode nos fornecer evidências de quanto melhor (ou pior) um político se sai, em média, como candidato ou como prefeito.
Numa primeira análise, empregamos uma abordagem simples de regressão descontínua para avaliar o desempenho eleitoral dos prefeitos que concorrem na função do cargo cotejando-os com o desempenho eleitoral dos candidatos desafiantes17.
Formalmente, a abordagem de regressão descontínua busca estimar o efeito causal de um tratamento (ou intervenção) sobre unidades de pesquisa. No nosso caso, estamos interessados em mensurar o efeito da incumbência (isto é, ter sido eleito prefeito nas eleições passadas) sobre o desempenho eleitoral dos candidatos na eleição subsequente. Mais propriamente, nos interessamos pela diferença no desempenho eleitoral entre os candidatos detentores de mandatos - o grupo tratamento - e os candidatos desafiantes - o grupo controle. O problema desse tipo de abordagem é que nunca é possível observar os dois possíveis resultados - incumbente e desafiante - para um mesmo candidato numa mesma eleição. Por esse motivo, estimamos o efeito médio da incumbência para um conjunto de candidatos que concorrem repetidamente à prefeitura, primeiramente, como desafiantes e, posteriormente, como incumbentes.
A ideia da análise de regressão descontínua é que os candidatos são designados para o grupo de tratamento, isto é, são eleitos prefeito se valores da variável explicativa - seu desempenho eleitoral pretérito - se encontram de um lado específico de um ponto de corte fixo predeterminado:se a margem de voto do candidato na eleição passada for maior do que zero, ou seja, se o candidato foi eleito prefeito. A variável explicativa pode estar ou não associada à variável resposta - o desempenho eleitoral presente -, mas tal associação é presumivelmente contínua e qualquer descontinuidade observada na distribuição condicional da variável resposta como função da variável explicativa no ponto de corte é interpretada como evidência do efeito causal do tratamento18. Isto é, presume-se que haja uma associação contínua e suave entre o desempenho eleitoral nas eleições passadas e o desempenho eleitoral subsequente,e qualquer descontinuidade no ponto de corte - que separa os candidatos desafiantes dos prefeitos - pode ser interpretada como evidência do efeito eleitoral da incumbência.
A lógica essencial da regressão descontínua é comparar grupos de candidatos que são semelhantes em tudo exceto pelo tratamento - a incumbência do mandato de prefeito - que é determinado no ponto de corte19. Um aspecto essencial dessa metodologia é, portanto, determinar o intervalo ao redor do ponto de descontinuidade onde será estimado o efeito eleitoral da incumbência sobre o desempenho nas urnas no pleito seguinte. Logo, é essencial comparar tão somente os candidatos que se encontram próximos ao ponto de corte. Em outras palavras, limitamos nossa comparação aos candidatos que se elegeram prefeitos por uma margem muito pequena de votos.
Não há um método rígido para determinar o intervalo ao redor do ponto de corte no qual será estimado o efeito eleitoral da incumbência. É importante observar, entretanto, que quanto maior o intervalo de comparação maior o viés introduzido pela inclusão de "unidades díspares",ou seja,de candidatos (e municípios nos quais se observam esses candidatos) muito diferentes daqueles próximos ao ponto de corte. Por outro lado, quanto menor o intervalo menor a precisão dos resultados estimados devido à restrição do número de candidatos observados.Optamos por estimar o efeito eleitoral da incumbência para diferentes intervalos ao redor do ponto de corte para conferir mais robustez aos nossos resultados.
A abordagem de regressão descontínua nos permite ignorar características idiossincráticas dos municípios (os chamados "efeitos específicos dos municípios") em que esses candidatos próximos ao ponto de corte estão concorrendo. Em particular, todas as diferenças entre os municípios,partidos,etc.devem ser desconsideradas em função das circunstâncias contingentes sobre quem ganha uma eleição em disputas muito apertadas. A desvantagem dessa abordagem é que tais circunstâncias randômicas se dão apenas em confrontos eleitorais muito competitivos e, portanto, restringem o número de candidatos a serem avaliados, com base em sua performance nas urnas.Nesse sentido,as inferências extraídas desse modelo podem fornecer uma visão limitada das disputas eleitorais nas quais os candidatos venceram por uma grande margem de voto.
Não entendemos, no entanto, que essa limitação inerente à abordagem da regressão descontínua possa comprometer nossos resultados. Pelo contrário, a intuição básica de restringir nossa análise com base no desempenho eleitoral dos candidatos é eliminar políticos que, devido a características extraordinárias não observadas pelos pesquisadores como carisma pessoal, força do partido no município, capacidade de financiamento da campanha, etc., foram eleitos por uma grande margem de votos. Se esses mesmos políticos (agora prefeitos) vencem quatro anos depois, pode-se dizer que o resultado se deve a alguma vantagem eleitoral decorrente do cargo público? A resposta é não.Provavelmente,os prefeitos venceram graças aos mesmos fatores que os levaram à vitória na primeira disputa.
Em nossa segunda análise, examinamos os efeitos eleitorais da incumbência nas eleições municipais, considerando não candidatos individuais mas pares de candidatos que se enfrentaram em eleições consecutivas. A ideia básica é que em vez de simplesmente comparar grupos de candidatos usando a metodologia de regressão descontínua, que nos permite desconsiderar os efeitos específicos dos municípios, comparamos o desempenho eleitoral do mesmo par de candidatos que se enfrentam em eleições consecutivas num mesmo município. Essa análise complementar nos permite desconsiderar não apenas os efeitos específicos dos municípios, mas também controlar a "qualidade" dos candidatos que se enfrentam.
Considere,por exemplo,dois candidatos não incumbentes - Luiza e Paulo - que concorrem à prefeitura do município de Ribeirão Preto em 2000. Luiza vence essa primeira disputa e se torna prefeita. Nas eleições seguintes, os dois mesmos candidatos se enfrentam novamente, mas agora em novos papéis: Luiza como prefeita e Paulo como desafiante. Nós analisamos o desempenho eleitoral desse par de candidatos que se enfrentam repetidamente para estimar o efeito eleitoral da incumbência, controlados os efeitos específicos dos municípios e dos candidatos.
Empregamos a mesma abordagem de regressão descontínua para avaliar as margens de votos dos pares de candidatos repetidos e as suas respectivas diferenças nas eleições subsequentes. Mais especificamente, avaliamos o desempenho eleitoral do par de candidatos (isto é, a margem de votos) na primeira eleição na qual se enfrentam como não incumbentes cotejando-o com o desempenho eleitoral na eleição subsequente,quando um dos candidatos é o incumbente e,portanto,está concorrendo no exercício do cargo. Nossa medida de interesse é a variação na margem de votos entre os dois pleitos consecutivos. Como estamos comparando o mesmo par de candidatos que se enfrentam em eleições consecutivas no mesmo município, esse modelo nos permite desconsiderar os "efeitos fixos" específicos dos municípios e dos candidatos.
Essas duas análises combinadas geram medidas distintas, porém complementares, do efeito eleitoral da incumbência da prefeitura nas eleições municipais no Brasil.
A DESVANTAGEM ELEITORAL DOS PREFEITOS NAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 2000, 2004 E 2008
Os dados eleitorais dos pleitos de 1996, 2000, 2004 e 2008 utilizados neste trabalho foram disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (tse). Nestas quatro eleições, observamos 42.493 candidatos que concorreram às prefeituras de 5.563 municípios diferentes, num total de 22.067 disputas eleitorais. O número médio de candidatos por disputa foi de 2,74 (o valor mediano foi de 2,0 candidatos), variando de um candidato único inconteste até quinze candidatos por disputa. A proporção média de votos por candidato é de 36,6% (cuja mediana foi de 41,3%).
Apenas para o pequeno subconjunto20 de capitais dos estados e cidades com mais de 200 mil eleitores registrados,o fracasso de qualquer candidato em obter uma maioria absoluta na votação implica a realização de um segundo turno com os dois candidatos mais votados. Em todas as outras cidades, basta uma maioria simples dos votos válidos para eleger um prefeito. Como resultado, prefeitos elegeram-se com votações que variaram de meros 23% até 100% dos votos válidos (naqueles municípios onde havia um único candidato);a votação média dos candidatos eleitos foi de 56% (com uma mediana igual a 54%).
A Tabela 1 a seguir sintetiza nossos principais resultados. Os resultados de ambas as análises para os dados agrupados das três últimas eleições municipais corroboram nossa tese de que os prefeitos que concorriam à reeleição nesse período experimentaram uma considerável desvantagem eleitoral. Essa desvantagem eleitoral se expressa tanto no efeito negativo da incumbência sobre o desempenho eleitoral dos prefeitos como na baixa proporção de prefeitos que são bem-sucedidos em se reeleger quando concorrem no exercício do cargo. Os resultados obtidos são muito informativos e os efeitos estimados da incumbência são estatisticamente significantes nos níveis usuais (de 1% e 5%) para todos os intervalos ao redor do ponto de descontinuidade.
A seção superior da tabela apresenta os resultados do modelo de regressão descontínua21 para todos os candidatos que concorrem repetidamente a um mesmo cargo público, primeiro como desafiantes e, posteriormente, como prefeitos. As colunas da Tabela 1 apresentam os resultados das estimações para os diferentes intervalos ao redor do ponto de corte. Na segunda linha da tabela, podemos observar que os prefeitos que concorrem à reeleição no exercício do cargo sofrem um decréscimo relevante na margem de votos. Em média, os prefeitos que se elegeram com uma margem de votos de apenas 1% na primeira eleição (coluna 2) sofreram uma perda de aproximadamente 8% em sua margem de voto.Isso se reflete na baixa proporção desses prefeitos que foram bem-sucedidos em permanecer no cargo por mais quatro anos (linha 3). Apenas 65% dos prefeitos elegíveis tentaram a reeleição.Desses,só a metade conseguiu se reeleger (linha 4).Isso significa que pouco menos de um terço dos prefeitos que se elegeram por uma diferença de votos para o segundo colocado igual ou menor do que 1% na primeira eleição conseguiram se reeleger prefeitos no exercício da função para mais um mandato.
Candidatos que se elegeram prefeitos por margem de votos um pouco mais favorável na primeira eleição não tiveram melhor sorte. Prefeitos eleitos com uma margem igual ou menor a 3% dos votos válidos (coluna 3), por exemplo, sofrem um decréscimo médio de 3,70% nas margens de voto quando tentam a reeleição. Mais uma vez, apenas 70% dos prefeitos elegíveis tentaram a reeleição e menos da metade desses foram bem-sucedidos em defender seus mandatos.Por conseguinte,nesse intervalo,pouco mais de um terço dos prefeitos conseguiram permanecer no cargo por dois mandatos consecutivos. Prefeitos eleitos por uma diferença de até 5% dos votos válidos com relação ao segundo colocado (coluna 4) experimentam um decréscimo médio na margem de votos de aproximadamente 4%, quando concorrem à reeleição no exercício do mandato. Consequentemente, pouco mais de 34% desses prefeitos permaneceram no cargo por dois mandatos consecutivos22.
Na seção inferior da tabela reportamos os resultados das estimações que exploram os pares de candidatos que se enfrentaram repetidamente em eleições consecutivas. Notamos primeiramente que essas estimações baseiam-se num número mais restrito de observações.
Isso é uma decorrência do modelo proposto e em nada afeta a precisão das estimações apresentadas. Na verdade, esse modelo pode ser considerado mais informativo do que o estudo anterior,pois a análise dos pares de candidatos que se enfrentam em eleições consecutivas nos permite desconsiderar não apenas os efeitos específicos dos municípios mas também controlar a qualidade dos candidatos que concorrem ao cargo de prefeito.
Podemos verificar que os efeitos estimados da incumbência são negativos para todos os intervalos ao redor do ponto de descontinuidade analisados. Esses resultados reafirmam, tanto em seu sentido como em sua magnitude, os achados da análise anterior. Prefeitos que concorrem à reeleição no exercício do cargo experimentam uma considerável corrosão em seu desempenho eleitoral.Por conseguinte,a taxa de prefeitos que logram obter um segundo mandato é baixa23.
Candidatos eleitos com uma diferença para o segundo colocado de até 5% dos votos válidos sofreram, em média, um decréscimo na sua margem de votos de 4,45%, quando concorriam no exercício da função e enfrentavam o mesmo desafiante que haviam batido quatro anos antes. Entre os prefeitos elegíveis, apenas 74% chegaram a concorrer à reeleição. Destes, pouco mais da metade logrou obter um segundo mandato. Por conseguinte, pouco mais de 40% do grupo de prefeitos elegíveis alcançou um segundo mandato por meio da reeleição. Os resultados estimados para as demais janelas ao redor do ponto de descontinuidade exibem o mesmo sentido, porém com pequenas variações na intensidade do efeito negativo da incumbência que decorrem da heterogeneidade dos candidatos contidos nos respectivos intervalos de estimação.
CONCLUSÃO
Críticos da reforma constitucional que estabeleceu o direito de reeleição para chefes do Executivo têm argumentado que a possibilidade de concorrer à reeleição para a mesma função no exercício do cargo lesa os princípios de alternância no poder, de limitação temporal e, principalmente, de equidade nas condições de competição política, já que o candidato que ocupa um cargo público gozaria de poderes excepcionais,como o uso da máquina pública,durante o processo eleitoral.No caso dos municípios,principalmente,tem sido levantados temores de que a possibilidade de reeleição constituiria um incentivo à perpetuação das elites políticas e de personalização no poder.
Os resultados das últimas eleições municipais contradizem esses receios de continuísmo político e perpetuação das elites locais no poder. Mais importante, nossa análise dos resultados eleitorais dos municípios traz à luz fortes evidências de que não houve, no período analisado, nenhuma vantagem eleitoral significativa decorrente da incumbência da prefeitura. Pelo contrário, nossos resultados indicam que os prefeitos que tentaram a reeleição no exercício do cargo sofreram uma considerável corrosão em seu desempenho eleitoral.Mais especificamente,os prefeitos sofreram,em média,um decréscimo de 4% na sua margem de votos quando concorriam no exercício da função, o que em muitos casos implica a perda do mandato. Por conseguinte, a taxa de prefeitos elegíveis que logram obter um segundo mandato é baixa.
Finalmente, vale ressaltar que, ao nos valermos da totalidade dos dados das últimas quatro eleições municipais, somos capazes de contornar algumas limitações metodológicas que acometiam trabalhos anteriores. O grande número de disputas eleitorais analisadas não apenas confere maior robustez estatística aos nossos achados; sobretudo, nos permite construir inferências baseadas num conjunto representativo do universo de mais de 5.500 municípios brasileiros. Ademais, a abordagem de regressão descontínua nos permite superar o viés de variáveis omitidas decorrente das diferenças não observáveis dos candidatos, de seus partidos e dos municípios.
Nosso estudo, contudo, não avalia as causas da desvantagem eleitoral dos prefeitos que concorrem no exercício da função.Mas detectamos que a desvantagem dos prefeitos é maior nas cidades pequenas e mais pobres. Nesse sentido, futuras pesquisas sobre o tema deveriam buscar compreender as origens desse fenômeno político. A literatura sugere algumas explicações para esse efeito eleitoral negativo da incumbência. Essas explicações podem variar desde a volatilidade nas preferências partidárias dos eleitores,os efeitos negativos da restrição fiscal e do desempenho econômico do país até o impacto de "puxadores" de votos em outros níveis de governo, como governadores e presidentes. No entanto, no contexto institucional brasileiro, no qual as eleições locais e gerais não são casadas e, principalmente, os governos municipais desfrutam de considerável autonomia política e fiscal e os prefeitos detêm controle relevante sobre decisões orçamentárias e preenchimento de cargos no governo, nenhuma dessas explicações parece fazer muito sentido.
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