Por Mozart Baldez – Advogado
Sobre a tragédia no presídio do Amazonas que culminou com 56 mortes e 130 fugas o Governo Estadual culpa as facções criminosas rivais PCC e Família do Norte – FDN.
O Ministro da Justiça Alexandre de Moraes, por sua vez, sentencia publicamente que o erro grave foi causado por omissão. Ele assegura que a empresa responsável pela segurança do sistema prisional já havia comunicado às autoridades locais sobre o risco de fuga. Denuncia que ‘’Nenhuma providencia foi tomada, tampouco foi pedido auxílio ao governo federal ‘’.
Detalhe importante a ser destacado e que guarda relação com a rebelião: em uma das denúncias oferecidas pelo Ministério Público Federal, no âmbito da Operação La Muralla, deflagrada em novembro de 2015, para aprofundar as investigações relacionadas à existência de um suposto esquema de negociações de decisões judiciais, envolvendo autoridades do Poder Judiciário do Estado do Amazonas, para beneficiar integrantes de uma facção criminosa, os investigadores da PF detalham a relação da facção Família do Norte com fornecedores de drogas ligados às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Outro fator intrigante é que em junho do ano passado com autorização do Superior Tribunal de Justiça , foram feitas buscas, respectivamente, nas casas e gabinetes da Desembargadora Encarnação das Graças Sampaio Salgado, a qual encontra-se afastada por prática ilícita no exercício da função e do Juiz da Vara de Execuções Penais Luís Carlos Honório de Valois Coelho, mediador da rebelião em Manaus (de confiança dos presos), citado em grampos telefônicos em conversas suspeitas.
O certo é que o governo estadual, federal e o judiciário não querem assumir a real responsabilidade parcial ou total pelos desmandos, mortes e fugas no Amazonas. Sequer reconhecem que no lamaçal da crise penitenciaria daquele Estado há envolvimento de magistrados do TJAM com facções nacionais e internacionais desde 2015, sem que o STJ e o CNJ tomem qualquer providência rígida num prazo razoável de modo a evitar o caos que se instalou naquela unidade prisional.
O que chama a atenção e causa perplexidade na crise penitenciária do país é saber que o Ministério da Justiça tem em caixa 2,7 bilhões de reais no fundo para serem aplicados no sistema. Ocorre que essa verba permanece intacta nos cofres públicos. Enquanto isto a população e os policiais correm risco e o sangue humano derrama no esgoto das cadeias do país para o mundo inteiro assistir por falta de estrutura e investimento o que mostra total descaso com o setor.
A propósito, a crise nos presídios é uma questão que se arrasta há décadas. As cenas de barbárie registradas em episódios como Carandiru (SP) se repetem com constância em todo o território nacional. E são a face mais violenta de um sistema superlotado e reiteradamente violador dos direitos humanos.
Para se ter uma ideia, o Brasil tem hoje 622.202 presos, equivalente ao numero de habitantes de Aracaju (SE). A partir do ano 2000 ganhou mais 389.477, um aumento de 167%. O número de vagas em presídios não acompanhou essa expansão. Hoje, faltam 250.318 vagas no sistema penitenciário. É o equivalente à população de Palmas (TO). Dessa forma o país passou a ter a 4ª maior população de presos do planeta.
No Brasil, são 306 presos para cada 100 mil habitantes. A média mundial é de 144 por 100 mil pessoas. Cerca de 250 mil está recolhida de forma provisória. O tráfico de drogas é o que mais resulta em prisões no Brasil (28%).
No Maranhão, que segue direção contrária à da recomendação internacional, a população carcerária de Pedrinhas na capital São Luís , saltou de 2,1 mil no início de 2014 para mais de 3 mil no fim de 2015.
No Estado do Amazonas, segundo as principais conclusões de um relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), publicado em 2015, os presos “basicamente se autogovernam nas unidades prisionais, afetando a segurança jurídica e, mais grave, o direito à vida das pessoas”. O relatório apontou ainda a “prática sistemática da tortura e de outras ilegalidades cometidas por agentes públicos e privados nas unidades visitadas no Amazonas”.
A verdade é que no Brasil nenhum governo foi capaz de implementar nos últimos 50 anos uma política inovadora e eficaz para combater a violência e criminalidade, sob ponto de vista preventivo e repressivo. Muito menos foi construída uma política pública para reeducar presos e devolvê-los para o convívio social. Pelo contrário. As estatísticas apresentadas até agora dão conta de que nos últimos 14 anos a população carcerária dobrou.
Esse fenômeno do aumento desenfreado de prisões é que tem causado os grandes conflitos nas cadeias. Há um elevado número de pessoas presas: são milhares de réus primários; centenas de outras pessoas que não oferecem nenhum perigo à sociedade; e outras por crimes de menor potencial ofensivo que deveriam ser submetidas a penas alternativas diferente da prisão. Todos estão concentrados num mesmo habitat, sem perspectivas e com desígnios voltados unicamente para a prática de crimes e terminam dividindo-se em facções para conquistar mercados ilícitos por culpa exclusiva do ESTADO.
O mais desanimador é ver o Supremo Tribunal Federal contribuir para a gravidade da crise, a partir do momento em que aniquila com o princípio da presunção de inocência e encharca a cadeia de presos. Outro fator a ser considerado é a urgente descriminalização da maconha de forma experimental no Brasil. Nos Estados Unidos (Colorado e outras cidades) com essa medida, houve um esvaziamento de quase 70% das cadeias. É forçoso concluir que o mundo moderno já resolveu isto, a ponto dos presídios da Holanda serem transformados em hotéis por falta de internos.
MOZART BALDEZ
Presidente do SAMA – SINDICATO DOS ADVOGADOS DO ESTADO DO MARANHÃO
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