Por que Cuba explodiu nos maiores protestos em décadas na ilha?
“Já não gritamos mais ‘pátria ou morte’ [slogan da revolução de 1959], mas ‘pátria e vida'”, cantaram os manifestantes que saíram às ruas em diversas cidades de Cuba e em Miami, nos EUA, no último domingo (11), para protestar contra o regime. As palavras são parte de uma canção de um grupo de artistas: Yotuel Romero, Descemer Bueno, El Osorbo e El Funky. Lançada em 16 de fevereiro, ela tem servido como motor dos protestos, até então pouco volumosos e pontuais, que vinham ocorrendo nos últimos meses.
Mas apenas uma música não levaria multidões às ruas se a situação em Cuba não fosse tão grave.
O país viu o PIB encolher 11% no ano passado. A ilha, que importa mais de 70% do que consome, tem sofrido com a escassez de alimentos e remédios devido ao fechamento das fronteiras provocado pela pandemia de Covid. Posts em redes sociais que mostram longas filas para comprar os itens são comuns.
A falta de comida é tão grande que o regime cubano impôs condições para permitir que camponeses matem vacas ou bois para consumo próprio. No pedido ao Estado pelo direito de matar o animal, é preciso declarar quanto leite a vaca já produziu e quantos quilos tem o boi.
A falta de voos internacionais também interrompeu as remessas em dólares que cubanos radicados no exterior, principalmente nos EUA, enviam para as suas famílias. Segundo dados oficiais, 65% delas recebiam ajuda de parentes. Há, também, o agravamento da situação sanitária devido à pandemia de coronavírus e à falta de estrutura hospitalar para atender toda a população.
Ainda que Cuba tenha medicina de ponta e esteja fabricando vacinas, o sistema hospitalar da ilha não tem dado conta de atender tantos casos. As manifestações ocorreram um dia após o regime ter negado um pedido de dissidentes para que se criasse um “corredor humanitário”, viabilizando a chegada de remédios.
O governo recusou a solicitação. Por meio de um comunicado, o Ministério das Relações Exteriores reconheceu a gravidade da situação sanitária, mas afirmou que está fazendo uma campanha e recebendo apoios do exterior. Em uma postagem nas redes sociais, o chanceler Bruno Rodríguez afirmou que “Cuba recebeu doações de insumos médicos de 20 países, e outras 12 estão em processo de envio”.
No dia em que aconteceram as manifestações em massa, as maiores no país em décadas, Cuba registrou um novo recorde diário de infecções e mortes por Covid, com 6.923 casos de um total de 238.491, além de 47 mortes em 24 horas, somando, ao todo, desde o início da crise sanitária, 1.537 mortes. Essas cifras, porém, segundo opositores, não refletem a situação real dos hospitais, que estariam colapsados.
A ilha vive há anos um apagão informativo, pois não há imprensa independente, e quem pede liberdade de expressão o faz sob censura e perseguição. Os artistas têm sido protagonistas dessas demandas por liberdade. Além do coletivo responsável por “Pátria e Vida”, cantores, intelectuais e escritores do movimento San Isidro também têm realizado reuniões e transmissões na luta por liberdade de expressão.
Um de seus integrantes, Maykel Castillo Pérez, está preso desde abril, acusado de traição à pátria, e é um dos nomes de dissidentes e presos políticos por quem os coletivos artísticos reclamam. Outros foram presos durantes algumas semanas e depois soltos.
Além das remessas de dólares do exterior, Cuba também perdeu, devido à pandemia, o turismo, uma de suas principais fontes de entrada da moeda americana. A indústria turística é responsável por 10% do PIB da ilha —incluindo atividades correlatas, como a gastronomia.
Outra de suas atividades econômicas mais importantes, a produção de açúcar, foi afetada por uma seca que já vinha se agravando ano a ano, fruto da mudança climática.
No campo político, o líder do regime, Miguel Díaz-Canel, assumiu recentemente também a liderança do Partido Comunista Cubano. A situação macroeconômica que enfrenta, porém, é mais difícil que a de seu antecessor, Raúl Castro. Na gestão do irmão de Fidel Castro, líder histórico do país, houve a tentativa de abrir parte da economia à iniciativa privada e um ensaio de aproximação com os EUA.
A crise, no entanto, congelou a capacidade de consumo dos cubanos. Já a tímida reconciliação com Washington foi revertida por Donald Trump e ainda não foi retomada pelo sucessor, Joe Biden. Assim, o regime segue culpando o embargo imposto à ilha como responsável pela falta de alimentos à população. Folha de SP
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