Flávio Dino herdará 343 processos do acervo da ministra aposentada Rosa Weber
Com data marcada para assumir a cadeira vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro da Justiça, Flávio Dino, herdará cerca de 343 ações assim que tomar posse na Corte, em 22 de fevereiro. Os processos são do acervo de Rosa Weber, ministra que se aposentou do Supremo no fim de setembro.
Entre as ações mais importantes estão o pedido de investigação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por sua atuação durante a pandemia da Covid-19, e o último indulto natalino concedido por ele em sua gestão.
Além desses processos, também estarão no acervo de Dino uma arguição que pede que a punição para abortos seja equiparada à do crime de homicídio qualificado; uma ação de assédio judicial contra a imprensa e investigações criminais contra o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União-MA), e os senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Chico Rodrigues (PSB-RR), por exemplo.
O conjunto de ações que agora passará a Dino inclui processos que estavam tanto com a ministra Rosa Weber antes de sua aposentadoria compulsória, quanto por ações que estavam com o presidente da Corte, o ministro Luís Roberto Barroso, mas que não permaneceram com ele após sua posse na presidência do STF.
Ações contra Bolsonaro
Na Petição 10064, a CPI da Pandemia da Covid-19 pede que o então presidente Bolsonaro seja investigado, junto a outros parlamentares e ex-ministros de sua gestão, por incitar a população a adotar comportamentos inadequados para o combate à disseminação do vírus.
Outra ação contra o ex-presidente que Dino deverá herdar é o Recurso Extraordinário (RE) 1450100, do Tema 1.267 da repercussão geral, apresentado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que questiona a constitucionalidade do indulto que Bolsonaro concedeu a pessoas condenadas por crime a penas menores que cinco anos.
Aborto
O futuro sucessor de Rosa Weber também ficará responsável pela relatoria da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1087, em que o Partido Liberal (PL) requer que a punição para abortos provocados por terceiros seja equiparada à do crime de homicídio qualificado.
Já na ADPF 442, também de relatoria de Weber, que trata, a pedido do Partido Socialismo e Liberdade (PSol), da descriminalização do aborto em até 12 semanas (3 meses) de gestação, Dino não poderá votar. Isso porque a ministra já apresentou seu voto na sessão virtual do julgamento, suspenso após pedido de destaque de Barroso.
O que acontece nos casos em que Rosa Weber já votou
Em casos como o da ADPF 442, André Roque, sócio do Gustavo Tepedino Advogados e professor de Direito Processual Civil da UERJ, entende se aplica o art. 941, parágrafo 1 do Código de Processo Civil (CPC). O dispositivo impede que o voto do juiz substituído seja alterado. Ou seja, prevalece o voto da ministra Rosa Weber.
Roger Leal, professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da USP (FDUSP), cita que a aplicação do disposto no art. 134, § 1o, do Regimento Interno do STF, dispensa a manifestação do ministro sucessor nos casos em que o ministro antecessor já proferiu seu voto, independentemente de ter sido na posição de relator, ou não.
Leal menciona que apenas na excepcionalidade da ocorrência de fatos novos permite-se que o ministro atualmente ocupando a cadeira profira voto, ainda que seu antecessor, oportunamente, já tenha votado.
”Nos casos em que o novo ministro recebe processos da relatoria de outro que assume a presidência do STF, passa a ser definitivamente o relator. Cumpre observar que, no caso de processos em que o novo presidente já tenha anteriormente liberado para o Plenário, ele – como regra geral – segue como relator. Nesse caso, sequer é transferido para outro gabinete”, explica.
Já Luiz Dellore, advogado e professor de Direito Processual do Mackenzie e do IBMEC, ressalta que a questão passou por mudanças recentes no próprio âmbito do STF. Quando a Corte esteve diante de uma situação similar, em que o ministro André Mendonça, recém-chegado ao Supremo, tentou mudar um voto que já tinha sido anteriormente proferido, o Plenário entendeu que não existia a possibilidade da alteração de voto por parte de um ministro sucessor.
”Então essa é a posição, vamos dizer padrão, que nós temos. Logo, nos casos em que a ministra Rosa Weber já votou, o novo, agora aprovado ministro Dino, não poderá votar, a exemplo do caso do aborto”, afirmou Dellore.
No entanto, Dellore comenta uma situação que aconteceu recentemente no STF e pode, eventualmente, voltar a se repetir no Plenário da Corte. No julgamento da revisão da vida toda, por exemplo, o ministro Cristiano Zanin modificou o voto do ministro Ricardo Lewandowski, aposentado do STF neste ano.
”O voto de Zanin foi objeto de gritaria por parte daqueles que defendem os aposentados perante o Supremo nessa discussão e, depois disso, o que estava no âmbito do julgamento virtual foi afetado para o julgamento físico. Então, quando isso acontece, volta a estar zerado”, disse.
Ele explica que com isso se criam duas situações: a primeira e consolidada de que o ministro substituto não pode modificar o voto de seu antecessor; e a segunda, que está em discussão agora, que diante de embargos de declaração, eventualmente para modular os efeitos, seria possível ter alguma modificação.
”Objetivamente, em relação a votos já proferidos e que estão ainda em andamento, pendentes de votos por parte de outros ministros, não será possível ao novo ministro proferir o voto em âmbito de recursos, seja em embargos de declaração ou o que for. Mas temos que ver como que fica o posicionamento [da Corte] diante dessa nova e atual composição, e esse novo precedente”, explica.
Dellore defende que o ideal seria essa prática não se tornar comum. Porém, argumenta que, no momento em que se tem tantos casos sendo decididos do STF com maioria apertada, e com os ministros ”novos” como Zanin, André Mendonça e Nunes Marques julgando casos polêmicos, a questão se torna ainda mais relevante. (Do Jota)
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