Na pior dos mundos…
NA CELA em que José Dirceu de Oliveira e Silva cumpre a pena de mais de vinte anos de prisão em regime fechado por corrupção e outro delitos relacionados e, que divide com outro condenado, foram encontrados objetos ilícitos pelo sistema carcerário. Não, não eram drogas e afins, apenas carregadores de celulares e pendrive com músicas e/ou filmes.
Como os dois condenados não assumiram a posse dos objetos – obedecendo, certamente ao código de “ética” do cárcere – ambos sofreram as medidas disciplinares impostas aos internos do sistema penitenciário nacional, como ser privado da visita de familiares por determinado período.
A notícia, escondida num cando de jornal – oculta ainda mais pelo brilho das reluzentes medalhas olímpicas e pelos feitos históricos de nadadores como Michael Phelps ou velocistas como Usain Bolt –, quase passa despercebida, nestes dias em que a pauta esportiva toma conta de todo o noticiário.
Claro que fatos assim não são e não têm razão de serem noticiados. Os presídios brasileiros mais parece um queijo suíço, tal a quantidade de falhas nos seus sistemas de controle. Todos os dias, ou qualquer busca que fazem nas celas encontram muito mais do que foi achado na cela já referida.
Assim, achar produtos ilícitos em cela de presos no Brasil, está longe de ser novidade ou objeto dos noticiosos locais.
O que torna revelante e emblemático no fato narrado – e que nos leva a uma reflexão profunda – são os personagens envolvidos, sobretudo o nominado. José Dirceu de Oliveira e Silva, mineiro de Passa Quatro, com setenta anos de idade, que é ninguém menos que Zé Dirceu, ex-presidente do Partido dos Trabalhadores – PT, ex-ministro do governo Lula.
Nos lautos tempos de poder, ninguém exerceu o mando com tanta arrogância quanto o José Dirceu. Sentia-se o primeiro e mais importante responsável pela eleição de Lula por ocasião de sua primeira vitória ao cargo maior da República, o articulador infalível, o sucessor natural, naquele que estava se formando com o “reich” petista – programado para durar mais que qualquer outro na história do país, quiçá do mundo.
Apresentado pelo próprio presidente da República como o “capitão do time”, estava dada a senha a todos integrantes do governo a quem deveriam se dirigir para “resolver” quaisquer assuntos relacionados às suas pastas e também os assuntos extra-pasta. Era ele, José Dirceu, o comandante do governo, o homem que dava – nos assuntos administrativos, no trato com o Congresso Nacional e dentro da instância partidária –, a última palavra.
E ele fez isso: mandou. Desmandou, deu chá-de-cadeira em quem quis nos seus dois anos e meio à frente da Chefia da Casa Civil, de onde foi afastado quando veio à tona os métodos utilizados para governar, naquele que ficou conhecido com “Escândalo do Mensalão”, que o próprio nome sugere do que se tratava, mas que era apenas a ponta do iceberg das outras facultaras que colocariam a nação em transe.
A engrenagem de mando montada pela cúpula partidária era de sorte sofisticada – e aqui cabe esclarecer que todos sabiam do se passava no governo, do projeto de criminoso em curso – que José Dirceu continuou mandando e fazendo “negócios” nos dois lados do balcão governista, mesmo depois de apeado do posto de “capitão do time”. Tanto assim, que foi apanhado novamente neste outro escândalo pelo qual cumpre pena. Mandava tanto que, mesmo depois de condenado e preso por decisão do Supremo Tribunal Federal – STF, continuou a auferir vantagens dos esquemas criminosos que articulara.
Mais que isso, continuava com áurea de “prisioneiro político”, capaz de fazer os filiados do partido se prestarem, por das, vigília na frente do presídio da Papuda, quando levado a cumprir a pena após anos de artimanhas e que já fora reduzida numa troca de ministros.
O assim chamado “prisioneiro político”, apesar de continuar “operando” seus tentáculos – e por eles recebendo, mesmo no período em que cumpria a pena – mandava tanto no governo e nas estruturas partidárias que conseguiu fazer com que os filiados do partido
e/ou simpatizantes, se cotizassem para pagar as multas que foram impostas e, assim ganhar a liberdade, numa progressão de pena.
O outrora manda-chuva do Brasil é, hoje, apenas um ancião, alquebrado pelo peso dos mais de setenta anos, que cumpre uma pena a qual não sobreviverá – apenas numa ação penal já está condenado a mais de vinte anos e outras condenações virão, passando dos setenta, é um triste fim –, já sem a mística de líder estudantil revolucionário, guerrilheiro e prisioneiro político durante a ditadura militar, líder politico e capitão do time no primeiro governo dos “trabalhadores”, não ouve mais o brado dos militantes partidários chamando-o de “guerreiro do povo brasileiro”.
Segundo comentam, parece que o próprio partido já não o ver com “bons olhos” de antes e dele quer distância. A ojeriza não é pelos atos de corrupção que praticou nestes anos de poder – a corrupção, singelamente apelidada de “malfeitos” não os escandalizam, até têm apreço (desde que pela “causa”).
Não perdoam em José Dirceu, segundo dizem, é que, assim como tantos outros, não roubou apenas para e pela “causa”, tratou, ele próprio de enricar. Esse o pecado maior.
Assim, aquela ja foi o homem mais poderoso do Brasil, vive seu ocaso, no pior dos mundos, tendo agir como reles bandido a fazer contrabandear para dentro de sua cela – não se sabendo como – celulares, carregadores, pendrive…
Um triste e humilhante fim para quem já simbolizou a esperança de dias melhores para o Brasil e que ao invés de trazer os dias melhores, trouxe tantos maus exemplos, chafurdando na mesma lama que tantas as vezes acusara os eternos donos do poder no país de chafurdarem.
A desgraça pela qual passa José Dirceu não é algo que se deseje a ninguém, nem ao pior dos inimigos. Não é algo que nos dá prazer escrever, pois só nos desperta pena e desalento e a certeza de que dias piores virão.
Abdon Marinho é advogado.
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