PSDB e PT selam trégua e, pela 1ª vez, se alinham em frentes contra Bolsonaro
Antagonistas na política nacional desde os anos 1990, o PT e o PSDB selaram uma trégua e estão pela primeira vez alinhados em várias frentes contra o presidente Jair Bolsonaro. A principal delas é o Fórum dos Governadores, onde tucanos e petistas têm se apoiado mutuamente e até trocado elogios.
Eleito em São Paulo com um forte discurso antipetista, João Doria abriu mão do protagonismo e defendeu a escolha do governador Wellington Dias (PT), do Piauí, como coordenador das discussões sobre vacinas contra covid no Fórum de Governadores.
Interlocutores do Palácio dos Bandeirantes – sede do governo paulista – falam em um “pacto de não agressão”, enquanto lideranças dos dois partidos até admitem estar juntos no segundo turno da eleição presidencial de 2022, a depender de quem disputar a rodada decisiva.
A relação entre os governadores se estreitou ainda mais após o governo federal acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação de inconstitucionalidade para tentar derrubar os decretos de restrição de locomoção de pessoas adotados pelos governadores do Distrito Federal, da Bahia e do Rio Grande do Sul para combater o coronavírus. Emissários do PT e PSDB querem ainda reunir os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso, que vê com entusiasmo a iniciativa.
“Da minha parte estou aberto a conversar. É necessário. Na minha concepção, é preciso definir quem é o inimigo principal. Se é o Bolsonaro, como a gente ganha dele? E ganhar para fazer o quê? Essas são as duas questões postas”, disse FHC ao Estadão.
Os petistas pretendem usar o combate à pandemia para abrir o diálogo. Apontado como um dos “presidenciáveis” do PT antes de o ex-presidente Lula restabelecer seus direitos políticos, o governador da Bahia, Rui Costa (PT), atua agora para que o partido estabeleça diálogos com as legendas do centro para a disputa presidencial de 2022 e prega a aproximação com o PSDB. Alinhado com Wellington Dias, Costa quer abrir um canal de diálogo de Lula até com Doria.
O governador baiano disse ao Estadão que considera “possível” uma aproximação entre PSDB e PT para 2022. “Se depender de mim, vamos trabalhar para isso. Sou a favor de que a gente coloque o Brasil acima das nossas divergências políticas secundárias. Estamos tratando de um projeto de salvação nacional. A lógica da disputa da eleição no Brasil será semelhante à dos Estados Unidos. É a democracia contra a barbárie e o ódio. A sociedade do bem vai prevalecer contra a lógica miliciana de condução do País.”
Assim como o governador do Piauí, que chamou de “importantíssimo” o papel de Doria na crise sanitária, Rui Costa também elogiou o tucano. “Quero prestar toda solidariedade ao Doria. Ele é um dos governadores que têm sofrido ataques sistemáticos do governo federal. Doria tem se esforçado para reduzir o número de óbitos. Justiça seja feita: não fosse a iniciativa do governo de São Paulo e do Instituto Butantan, 80% das pessoas que receberam a vacina não estariam hoje vacinadas.”
Líderes tucanos ligados a Doria abraçaram o mesmo discurso de união de esforços durante a pandemia. “Em tempos de crise sanitária e institucional com o governo Bolsonaro de tamanha gravidade, é fundamental que deixemos a política em segundo plano. Não é momento de agressão, mas de trabalho conjunto”, disse Marco Vinholi, secretário de Desenvolvimento Regional de São Paulo e presidente do PSDB paulista.
Na semana passada, o Estadão revelou que Wellington Dias será o emissário de Lula nas conversas com o PSDB. A estratégia do PT é encontrar “um lugar para Lula na crise sanitária”. A intenção é que o petista se junte a outros ex-presidentes – Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer – na busca por uma influência internacional que possa ajudar o País a obter vacinas e insumos para a produção de imunizantes. “Tudo aponta para um momento de reconciliação, que é o que os governadores estão fazendo. A realidade obriga a fazer isso”, afirmou ao Estadão o ex-governador de Minas, Fernando Pimentel (PT).
Nascidos nos anos 1980, PT e PSDB estiveram juntos uma única vez em eleições presidenciais. Foi no 2.º turno de 1989, quando o candidato tucano Mário Covas declarou apoio a Lula, que enfrentava Fernando Collor. Os desentendimentos cresceram em 1992, quando parte do PSDB paulistano apoiou a candidatura à Prefeitura de Paulo Maluf contra Eduardo Suplicy (PT). A rivalidade se consolidou nas campanhas vitoriosas de FHC à Presidência e nas dos petistas Lula e Dilma Rousseff, que tiveram tucanos como adversários.
Nesses anos, porém, acordos importantes ocorreram entre petistas e tucanos: entre Marta Suplicy e Covas contra Maluf, em 1998 e em 2000, e o apoio dos partidos à eleição de Márcio Lacerda (PSB) à prefeitura de Belo Horizonte, em 2008. Um dos artífices do último, o ex-governador Pimentel defende agora a tese de que o candidato que derrotar Bolsonaro terá a necessidade de fazer um governo de união nacional. Seja Lula, Ciro Gomes ou qualquer outro. “Antes a polarização era saudável, democrática, com projetos diferentes, mas no campo da democracia. Agora, temos claramente um projeto autoritário e excludente e, do outro lado, todos nós, até o Centrão, que pode ser acusado de tudo, menos de não ser democrático. Quem está ficando isolado é Bolsonaro e a direita radical.”
Esquerda do PT e parte da bancada tucana resistem
A aproximação entre PT e PSDB enfrenta resistência da parte “governista” da bancada tucana na Câmara, que é liderada pelo deputado Aécio Neves (MG), mas o diálogo entre deputados dos dois partidos nunca foi tão intenso. “É a primeira vez que temos esse diálogo tão fluido. O objetivo é barrar a escalada autoritária. Precisamos de todos os esforços para impedir a violência que o Bolsonaro tem praticado”, afirmou o deputado Paulo Teixeira (PT-SP).
A aproximação entre os partidos enfrenta ainda a desconfiança mútua entre tucano e petistas. O presidente do PSDB, Bruno Araújo, disse, recentemente, que votaria em branco em caso de segundo turno entre Lula e Jair Bolsonaro em 2022, indicando as dificuldades para um acordo mais amplo entre os partidos, além da atuação na pandemia. Há resistência também no PT. Setores da esquerda do partido consideram difícil um acordo em razão de diferenças de visão nas áreas econômica e trabalhista. O que facilitaria as conversas entre os partidos é a centralidade que assumiram temas como o combate a desigualdades e a defesa do meio ambiente no discurso de formuladores de política dos tucanos – como o prefeito Bruno Covas.
No ambiente jurídico, petistas e tucanos também nunca estiveram tão alinhados. “Lideranças do PT e PSDB começam a ensaiar uma aproximação no mundo jurídico em cima de uma agenda comum: a defesa da democracia e das instituições e o reconhecimento da parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro”, disse o advogado Marco Aurélio Carvalho, que integra o setorial jurídico do PT e coordena o Grupo Prerrogativas, que reúne advogados progressistas.
Carvalho lembra que juristas ligados ao PSDB, como os ex-ministros da Justiça de FHC José Carlos Dias e José Gregori e o advogado Belisário dos Santos Jr, ex-secretário da Justiça do governo de Mário Covas, assinaram manifesto que pedia a anulação das condenações do ex-presidente Lula. O Estadão
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