Euges Lima
O Tesouro de Tutóia e as aventuras de Ernesto Rivera
O saudoso jornalista, advogado, pesquisador e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, Waldemar Santos, em seu livro “Fragmentos da História do Maranhão”, publicado pelo Sioge em 1982, traz um capítulo (Tesouro da Espanha) curioso sobre certo tesouro que teria sido enterrado nas areias de Tutóia no início do século XX. Essa informação, o autor conseguiu com o padre Jocy Rodrigues, neto do famoso Coronel Paulino Neves, fundador da Tutóia Nova (1901), então chefe político da região e um dos personagens principais dessa história que parece mais um roteiro de cinema, com todos os ingredientes, como caça ao tesouro, conspirações, prisões, drama e suspense.
Padre Jocy, tinha em sua posse, uma carta, que relatava essa inusitada história, provavelmente herdada do espólio do seu avô. Em 1909, Paulino Neves, recebera uma inesperada e intrigante correspondência vinda da Espanha, cujo remetente era o espanhol Ernesto Rivera, o qual o prócer tutoiense nunca ouvira falar, no entanto, Rivera teve boas referências do Coronel Paulino: “as boas informações que tenho de V. Exa., as quais me foram dadas por um Sr. quando eu estive em esse país.”
Na carta, Rivera relata que foi Capitão e Tesoureiro d’Arma da Cavalaria de Guarnição daquela Praça e que participou de uma conspiração para derrubar a monarquia espanhola e que teria desertado com 900.000 francos em notas do Branco da França e Inglaterra que estavam sob seu poder com a finalidade de comprar armas e equipamentos bélicos no estrangeiro para promover a revolta militar que derrubaria a monarquia e implantaria a República em toda a Espanha.
Acontece que quando Ernesto Rivera se encontrava na fronteira da França à espera de instruções, recebe a notícia que o plano do levante havia sido descoberto e que alguns dos seus companheiros tinham sido presos e outros, fugidos para o exterior. Imediatamente, decide fugir para América do Sul com a fortuna que trazia. Primeiro, desembarca na Venezuela, não gosta do ambiente do país, então resolve ir para o Brasil. Depois de visitar vários estados e comarcas, chega ao litoral oriental do Maranhão, na longínqua e pacata Tutóia, localizada no Delta do Paranaíba, ali, diante da necessidade de retornar para Espanha para socorrer sua única filha que estava doente em um Colégio interno na Cidade de Toledo, o militar espanhol, deixa “enterrados dentro de uma pequena caixa de folhas de lata, nos arrabaldes d’essa localidade” 900.000 mil francos que havia furtado de sua guarnição na Espanha.
Como pai, Rivera não poderia abandonar sua filha naquelas condições, ao mesmo tempo em que não poderia retornar com aquela quantia em seu poder, diante de tal impasse, descreve o que melhor lhe pareceu fazer:
“Meti 900.000 francos dentro da dita caixa em os arrabaldes d’essa localidade; procurei um lugar rasinho, separadamente, e sem que ninguém me olhava, nem observava, fiz um buraco na terra, de meio metro de profundidade, e aí sepultei a caixa, com o dinheiro; no mesmo instante, fiz uma pauta tipográfica(croquis) fixa e exata do lugar onde sepultei a caixa; a esta pauta, junta com uma fita métrica que me servi d’ela para recolher as medidas e dimensões do terreno, assim como uma folha explicativa, aonde anotei todos os apontamentos; todas estas peças as ocultei num segredo que tem a minha mala de viagem n’um segredo que ninguém conhece, mais que eu e a minha filha.”
O Plano do Capitão era retorna à Espanha e trazer sua filha para o Brasil, onde ela poderia se recuperar e viver em paz com ele. Porém, tudo deu errado, e ele foi preso ao chegar na Espanha, sendo condenado pelo Conselho de Guerra espanhol a dez anos de prisão e a pagar as custas do processo. É nesse cenário que Ernesto Rivera vislumbra solicitar a ajuda de Paulino Neves como a única forma de resgatar o tesouro que ela havia deixado enterrado nas areias brancas de Tutóia, se não para ele se beneficiar, já que se encontrava preso e condenado, mas pelo menos para segurança e felicidade de sua filha, a jovem Hilda de 18 anos. Para isso, oferece a metade da quantia enterrada a Paulino Neves como recompensa, mas não sem antes elencar uma série de condições e instruções detalhadas que deveriam ser seguidas pelo Coronel:
“1.ª - V. Exa. Terá que ser fiel e honesto com minha filha, e não divulgar este assunto;
2.ª - V. Exa., ou outra pessoa de maior confiança, tem que vir à Europa, para acompanhar a minha filha até o Brasil, porque eu quero sendo sagrada condição que minha filha há d’ir com V. Exa., a ajudar-lhe a descobrir a dita caixa; eu confio que V. Exa. Há – de comportar-se com ela, como um homem d’honra, e como um segundo pai;
3.ª - Pelo pronto, tem que V. Exa., pagar as despesas de viagem de minha filha, porque eu acho-me sem dinheiro, devido à minha pobre e triste situação, os meus amigos abandonaram-me, e os meus correligionários, uns acham-se presos, e outros, emigrados;
4.ª – Também tem que pagar V. Exa. “6.250 pesetas, ouro (1.250), que é necessário pagar para levantar a minha mala de viagem do depósito onde se acha depositada, por dívida d’uma quantia.”
Como vimos acima, nas instruções e condições imposta por Rivera, o plano era Paulino Neves bancar sua viagem até Portugal, o que representaria um custo no valor de um conto e seiscentos mil reis. Quando desembarcasse em Lisboa, do Hotel que estivesse hospedado, deveria escrever para Ernesto Rivera informando seu endereço, então, Rivera responderia informando o Hotel onde poderia encontrar sua filha para juntos resgatarem a tal mala que se encontrava em um desses armários que se alugam em terminais de transportes, pois nela, encontravam-se todas as peças imprescindíveis para localização precisa do tesouro enterrado em Tutoia, como pauta topográfica, fita métrica e a folha explicativa, mas antes, Paulino Neves deveria mais uma vez meter a mão bolso no valor de 6.250 pesetas para pagar o resgate da mala e retornar ao Brasil com Hilda, pagando também todas as despesas com passagens de navio no retorno ao Brasil.
Depois que concluiu todas suas instruções o Capitão Rivera solicita que caso o Coronel Paulino Neves concorde com suas condições, envie uma “pronta resposta, para o endereço seguinte: Sr. Adolfo G. R. Ramirez, Cale de Ayal, n.º 16/2.º, Madri (Hespanha)[...] e com a esperança de receber pronto a notícia de seu aviso à Lisboa.” Finaliza a carta com cumprimentos honrosos e respeitosos, datando de Madri em 19 de agosto de 1909. A pergunta que fica é, teria o Coronel Paulino Neves atendido aos seus apelos e respondido a essa curiosa correspondência? Teria ainda Paulino Neves feito essa fantástica aventura para Lisboa? Certamente não, talvez o Coronel tenha desanimado diante de tantas condições, despesas e aventuras necessárias para tal feito e Ernesto Rivera esperou uma resposta favorável que nunca foi.
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