Sessão da Câmara dos Deputados, em junho deste ano. Wilson
Dias EBC
O distritão, a proposta em debate na Câmara para mudar radicalmente a
forma de eleger deputados e vereadores no Brasil, é considerado muito fácil de
entender como funciona: caso aprovada para as
eleições de 2018, apenas os candidatos mais votados entrarão no Parlamento, abandonando
o sistema que leva em consideração os votos do partido como um todo, e não só
dos indivíduos. Portanto, se o Estado de São Paulo tem direito a 70 cadeiras
na Câmara dos Deputados, então os 70 mais
votados serão eleitos. Mas quatro cientistas políticos consultados pelo EL PAÍS
coincidem em dizer que, se for mesmo aprovada pelo Congresso, a nova legislação
é a pior alternativa possível. Ainda que seu entendimento seja mais fácil, não
enxergam vantagens no modelo e acreditam que agravará o que já está ruim. Esta
avaliação parece até agora ser unânime na bancada de analistas e especialistas,
que — a julgar por artigos, entrevistas e declarações — rechaçam
veementemente a proposta. “Há dois valores que a gente busca equilibrar nos
sistemas eleitorais: a representatividade e a governabilidade. O distritão não
contribui nem para uma coisa e nem para outra”, avalia Luis Felipe Miguel, cientista
político da UNB, para quem o modelo em debate representa "a
desqualificação do debate político".
Os especialistas concordam — em resumo — que o distritão aumentaria
ainda mais a fragmentação partidária, manteria as campanhas caras, não tornaria
os eleitores mais próximos aos candidatos, faria com que o sistema fosse menos
representativo, seria mais vantajoso para candidatos conhecidos ou em posse de poderosas
máquinas partidárias e dificultaria a renovação do Parlamento. “Quem quis isso
em 2015, quando a proposta foi rejeitada pela primeira vez? Michel Temer e o ex-deputado
Eduardo Cunha, por conta das máquinas que tinham”, explica o cientista político
Carlos Melo, do Insper. Com exceção do distritão, ele afirma que todos os
sistemas eleitorais tem suas vantagens e desvantagens e que não há consenso na
ciência política sobre qual seria melhor. "Ser simples é desejável, mas o
fundamental é que o modelo seja democrático. Que ele aproxime o eleitor e
permita a renovação", acrescenta.
O distritão, parte de uma proposta de emenda à
Constituição, quase foi à votação nesta quarta-feira. Mas a falta de consenso
para avaliar o tema, que precisa de 308 votos dos deputados para ser aprovado
em primeiro turno, acabou levando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a adiar
o teste em plenário, que ficou para a semana que vem. Pressionados pela
resistência ao modelo, surgiu até uma variação da proposta de distritão: o
"semidistritão", que combinaria a votação majoritária com a
contabilidade do voto na legenda, que é quando o eleitor resolve votar na sigla
partidária, e não nos candidatos. A solução é considerada inédita e jamais foi
testada em outros países.
Críticas ao atual modelo
O modelo vigente no Brasil é proporcional e de lista aberta, o que
significa que para um parlamentar ser eleito é preciso fazer um cálculo entre o
número de votos que ele recebeu e o coeficiente eleitoral atingido por seu
partido e coligação. O modelo é considerado complexo e permite a fragmentação
de partidos e a maior distância entre eleitores e candidatos, segundo
analistas. Por outro lado, em tese possibilita uma maior representatividade uma
vez que, caso um candidato não seja eleito, seus votos são transferidos para
outro do partido. Melo, do Insper, explica que um dos modelos que visa a
corrigir isso é o do distrital puro (adotado pelo Reino Unido, por exemplo), no
qual cada estado seria dividido em pequenos distritos. Em cada um se disputaria
uma eleição local e ganhariam aqueles que conseguissem mais votos. Mas a
desvantagem é que partidos e candidatos menos votados, ainda que obtivessem
votações significativas, ficariam de fora da Câmara, o que diminuiria a
representatividade da Casa. “O problema do distritão é que, como no distrital
puro, ele joga uma quantidade enorme de votos no lixo. Mas ele não tem a
vantagem da disputa local e da aproximação do eleitor com o candidato. Porque o
distrito é o estado, que é enorme. Então o candidato pode ter sido votado em
400 municípios. Quem vai cobrar desse cara? Essa fiscalização é mais difícil”,
argumenta Melo. Com eleições majoritárias não em pequenos territórios, como
prevê o sistema distrital puro (e também o misto), mas sim em todo um estado da
federação, as campanhas para deputado, mesmo que contem com menos candidatos,
poderiam ser ainda mais caras do que são atualmente, segundo Márcio Cunha
Carlomagno, cientista político da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Leon Victor de Queiroz Barbosa, cientista político da Universidade
Federal de Campina Grande, argumenta que os votos que seriam jogados no lixo
gerariam "uma distorção gigantesca no sistema representativo". Para
ele, um efeito imediato da reforma seria "o aumento da fragmentação
partidária", o que resultaria por sua vez no "início do fim dos
partidos políticos como instituições agregadoras de preferências, passando a
ser meras legendas (como algumas já são)". Os que apoiam a reforma
“pretendem personificar ainda mais o sistema, levando o eleitor a crer que o
sistema mais fácil (mais votados entram) é o melhor para a representação
política”, opina Barbosa. O efeito dessa fragmentação na governabilidade seria
perverso, uma vez que dificultaria ainda mais a formação de maiorias no
Congresso.
O especialista Luis Felipe Miguel, da UNB, acredita que com um sistema
mais personificado, "a eleição fica muito mais vulnerável à força da
popularidade prévia, do dinheiro e dos esquemas de currais eleitorais".
"A expectativa é que aumente o peso das igrejas, do crime organizado, das
subcelebridades e dos que já tem mandato e tem o poder da máquina
partidária", explica ele. Além do distritão, os deputados também debatem aprovar um
fundo público de 3,6 bilhões de reais para serem distribuídos em época de
campanha. Como a distribuição leva em conta as bancadas eleitas em 2014, grandes
partidos como o PMDB seriam ainda mais beneficiados. Melo, do Insper, argumenta
que com essas mudanças os novatos na política terão mais dificuldades para
entrar no Parlamento. "Este é o problema. Você acaba com o fenômeno
Tiririca? Não, pelo contrário. Só acaba com os quatro ou cinco candidatos que
não tiveram votos e entraram com ele. E a pessoa que está na Câmara há mais
tempo vai ter mais votos que um político novato, que ainda é pouco conhecido e
não tem a máquina. Isso torna a campanha muito refratária a renovação",
argumenta ele, que defende uma Assembleia exclusiva para implementar uma
reforma política formada por pessoas que depois não possam se candidatar.
E se o distritão fosse válido em 2014?
Uma
pesquisa feita em 2015 Carlomagno, da UFPR, constatou que caso o
distritão tivesse sido aprovado antes das eleições de 2014, a composição da
Câmara pouco mudaria: apenas 45 das 513 cadeiras pertenceriam a outros
parlamentares, ou seja, cerca 90% da Casa seria igual. A metodologia da
pesquisa foi muito simples: ele comparou a lista dos deputados eleitos em 2014
e a lista dos deputados mais votados naquele ano. "Eu quis mostrar com
isso que, apesar do nosso sistema ser proporcional, na prática ele já é
majoritário. Porque a maioria dos que entram é também os que mais receberam
votos. Em outra pesquisa também identifiquei que os que entraram por causa das
coligações obtiveram uma votação expressiva, próxima dos mais votados",
conta. Isso significa, explica ele, que o tão falado efeito dos puxadores de
votos é limitado.
Então tanto faz o sistema ser proporcional ou distritão? Não. O estudo
não leva em conta que se as regras fossem outras, as estratégias, modelos de
financiamento, entre outros fatores, também seriam outros, segundo explica
Carlomagno. Miguel, da UNB, concorda com esta tese e detalha: "Um sujeito
que não se candidatou talvez tivesse se candidato, e vice versa. Outros
políticos que precisam da legenda para se eleger talvez estivessem em uma
legenda própria", explica. "A ideia de que nossa Câmara está cheia de
deputados sem votos pessoais é mentirosa. São exceções. Mas experiências do
distritão são muito desastrosas. O Japão revogou esse modelo por causa dos
efeitos em seu sistema político", avalia.
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