STF começa a
votar parâmetros para ensino religioso nas escolas públicas
Relator defende aulas sobre todas as
crenças em perspectiva históricaPOR
BRASÍLIA
– O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta quarta-feira a ação
que vai definir os parâmetros do ensino religioso nas escolas públicas: se pode
ser confessional, com aulas ministradas pelo representante de apenas uma
crença; ou se devem ser ensinadas todas as religiões numa perspectiva histórica
e contemporânea. O relator, ministro Luís Roberto Barroso, defendeu a segunda
tese. O voto dele está calcado no princípio da laicidade do Estado, expresso na
Constituição Federal. O julgamento deve ser concluído na sessão de
quinta-feira, com o voto dos outros ministros da corte.
—
A simples presença do ensino religioso em escolas públicas já constitui exceção
à laicidade do Estado. Por isso, a exceção não pode receber uma interpretação
ampliativa para permitir que o ensino religioso seja vinculado a uma específica
religião — afirmou o ministro, para completar mais adiante: — O ensino
religioso confessional viola a laicidade, porque identifica Estado e Igreja, o
que é vedado pela Constituição. A incompatibilidade me parece patente.
No
voto, Barroso reforçou que as aulas de religião em escolas públicas devem ser
facultativas, como determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Por isso,
é preciso o aluno solicitar a matrícula, sem que a inscrição seja automática. O
ministro ressaltou que, ao se desvincular da aula, o aluno pode passar por
constrangimento. Barroso também afirmou que o aluno que optar por não cursar a
disciplina deve ter à disposição outra atividade acadêmica no mesmo horário.
—
Crianças e adolescentes no ensino fundamental estão em fase de desenvolvimento
de sua personalidade e autonomia. A recusa em assistir à aula obriga a criança
a uma atitude que a torna diferente de seus colegas, numa fase em que o temor
da exclusão é máximo. Obrigar uma criança de 6 anos a declarar-se diferente e a
excluir-se da aula de religião confessional é impor a crianças um ônus que ela
não deve suportar e fará com que ela silencie e participe da aula de religião
confessional diferente de seu credo para não se tornar diferente no grupo — analisou
o ministro.
Também
segundo Barroso, deve ser proibida a contratação de professores para a
disciplina por recomendação de determinada religião. Padres, pastores, rabinos
ou ateus podem ministrar a aula, desde que sejam aprovados em concurso público.
O voto de Barroso foi calcado no princípio da laicidade do estado, expresso na
Constituição Federal.
O
relator ressaltou, ainda que o Ministério da Educação (MEC) deveria elaborar
parâmetros curriculares e conteúdos mínimos para o ensino religioso em todo o
país, bem como os critérios para a admissão de professores. Hoje, essa função é
dos estados e municípios, o que gera situações diferentes em cada unidade da
federação.
—
A falta de um paradigma nacional fez com que os sistemas estaduais de ensino
produzissem uma Babel de proporções bíblicas, em que cada um fala uma língua e
ninguém se entende — declarou.
Para
exemplificar a “Babel”, o ministro disse que, no Rio de Janeiro, onde o modelo
adotado é o confessional, foi aberto concurso público para professor de
religião. Das 500 vagas 342 eram para católicos, 132 para evangélicos e 26 para
representantes de outros credos. Barroso considerou absurdo que, já no processo
de seleção, houvesse discriminação por religião.
Antes
do voto do relator, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu o
ensino religioso não confessional em escolas públicas. Ele explicou que, como o
Estado é laico, não se pode coagir os alunos a seguir uma determinada crença.
—
A coerção indireta pelo Estado é muito mais forte e perigosa quando dirigida a
crianças e adolescentes, do que quando dirigida a adulto — argumentou Janot.
A
discussão chegou ao STF em 2010, quando a Procuradoria-Geral da República (PGR)
entrou com uma ação questionando a interpretação do artigo 33 da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, que estabelece: “O ensino religioso, de
matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e
constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil,
vedadas quaisquer formas de proselitismo”.
A
PGR pediu para que a norma seja interpretada a partir do princípio da laicidade
do Estado, expresso na Constituição Federal — ou seja, proibindo o ensino
religioso confessional e a contratação de professores que representem uma
religião específica.
A
PGR também pediu que seja retirado trecho do acordo celebrado entre o governo
brasileiro e a Santa Sé que trata do ensino religioso “católico e de outras
confissões religiosas”.
A
advogada-geral da União, Grace Maria Fernandes, defendeu a tese oposta. Ela
lembrou que a Constituição Federal determina que, no ensino fundamental, “o
ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental”. Ela argumentou que o
ensino religioso deve ser ofertado, e não imposto aos alunos.
—
A aula é facultativa, o aluno vai cursar a disciplina se assim entender. O
nosso Estado é laico, não é laicista. O ensino religioso é ofertado pelo
Estado, mas não é imposto e não se impõe qualquer tipo de credo — declarou
Grace.
A
advogada-geral também argumentou que não se pode proibir um representante de
religião de lecionar em escola pública, se o professor tiver sido aprovado
regularmente em concurso público. Diante da polêmica, Janot foi enfático em
defesa da tese oposta.
—
A Constituição da República consagra o princípio da laicidade do Estado e a
previsão de que o ensino religioso de matrícula facultativa constituirá
disciplina nos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. Se,
de um lado, não é viável a adoção de uma perspectiva que negue ensino religioso
em escolas públicas; de outro lado, não se pode admitir que se transforme uma
escola pública em catequese ou em local para proselitismo religioso, católico
ou de qualquer outra religião. A escola pública não é espaço para ensino
confessional — afirmou.
O
procurador-geral declarou, inclusive, que a aula de religião confessional traz
prejuízo para visões ateísta, agnóstica e de religiões de menor poder na esfera
sócio-política. Portanto, o único modelo possível para o ensino religioso em
escolas públicas seria o não confessional. Depois da manifestação da PGR e da
AGU, sete advogados fizeram sustentação oral no plenário do STF, em defesa dos
dois lados. Os advogados representavam várias religiões e também ateus.
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