Sem fechar acordos, TCU causa danos irreparáveis ao país, diz especialista
Marlene Bergamo/FolhaPress | ||
Professor da USP Sebastião Tojal, que atuou para UTC e Andrade Gutierrez |
O TCU (Tribunal de Contas da União) pode quebrar as empresas que fecharam acordo de leniência com o Ministério Público e desestimular que outras companhias corruptas busquem essa saída.
A análise é de um dos maiores especialistas em leniência do país, uma espécie de acordo de delação para empresas, o professor de direito da USP Sebastião Tojal.
Leniência é a medida recomendada, inclusive pelo juiz Sergio Moro, para empresas que se envolveram em suborno. A companhia confessa os crimes, paga uma multa e, em troca das informações que forneceu sobre os crimes, ganha o direito de voltar ao mercado.
Nada disso está acontecendo, segundo Tojal, que atuou nos acordos da UTC e da Andrade Gutierrez. Com quatro dos nove ministros investigados pela Lava Jato, há risco, segundo ele, de que tudo que o TCU fizer seja declarado ilegal.
“Se forem confirmadas as ameaças do TCU, ele será responsável por danos que serão irreparáveis por gerações”, afirmou à Folha.
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Folha – O sr. foi o primeiro a fechar acordo de leniência com AGU (Advocacia-Geral da União) e CGU (Controladoria-Geral da União) para a UTC. Há vantagem nesse pioneirismo?
Sebastião Tojal – A grande lição que retiro é que alguns responsáveis por esses órgãos ainda não enxergaram que o acordo de leniência é muito mais a expressão de política de Estado do que de política de governo. O Ministério Público tem essa compreensão.
O sr. quer dizer que o governo age por interesse político?
Em vários momentos existiram interferências políticas. Negociações que deveriam ocorrer em seis meses, prazo estabelecido por lei, acabaram tomando mais de ano. Ocorreram sucessivas trocas de ministros, que interrompiam negociações. Voltávamos à estaca zero. Isso é mais política de governo do que de Estado.
Há tentativas de proteger o PMDB, partido do presidente?
Vejo esse processo com muita nitidez no TCU. Acho que o TCU está vivendo um momento crítico e uma suspeição porque vários dos seus integrantes estão sob investigação.
Por que há a suspeição?
Pela norma processual brasileira há, em tese, um interesse dos ministros [quatro dos nove são acusados de receber propina por delatores]. Já seria suficiente para o magistrado se declarar suspeito. Há um risco de amanhã essa suspeição ser reconhecida judicialmente, trazendo como consequência a nulidade de todos os atos. A grande questão é que até que se produza esse efeito
Já será tarde para as empresas?
Não tenho a menor dúvida.
O TCU bloqueou bilhões de empresas da Lava Jato. Há risco de elas quebrarem?
Não tenho a menor dúvida. Não aguentam não porque a eventual declaração de idoneidade as impedirá de serem contratadas pelo poder público, o que já é grave. A declaração traz um sério problema para o mercado, especialmente financeiro, do qual essas empresas dependem. Os bancos cortam o crédito e sobem juros. Esse é o paradoxo.
Qual paradoxo?
A razão pela qual o TCU decreta a inidoneidade e bloqueia bens é o suposto interesse público, o mesmo que animou os acordos de leniência. Na prática é um interesse público litigando com outro. Isso não existe. Interesse público só tem um. O que se percebe é que essas ameaças que têm sido veiculadas pelos ministros nos jornais irá significar a rescisão dos acordos, que já permitiram ao MP e à CGU arrecadar mais de R$ 6 bilhões só nos acordos de leniência. Não existe semelhante resultado na história do país.
Esses acordos vão tornar o mercado mais ético?
A empresa que faz acordo tem todo o interesse que o mercado aja lealmente. Ela não quer a concorrência desleal de quem frauda a lei. O acordo tem como subfunção permitir que as empresas autoregulamentem o setor.
Não seria ingenuidade acreditar nisso de empresas que cometeram crimes em série?
Acho que não. Os riscos de descumprir um acordo são imensos, e os mecanismos de aferição dos acordos são muito eficazes. Para que eles funcionem é fundamental assegurar uma contrapartida à empresa. Qual? A segurança jurídica de que voltarão a poder fazer contratos com o Estado, o que não aconteceu até agora.
O TCU age assim porque os ministros foram indicados por políticos do PT, PSDB e PMDB?
Prefiro trabalhar no plano formal: os dados objetivos mostram que o órgão está sob suspeição. Há outro problema. Em 2015, o TCU baixou uma norma atribuindo a si poderes para firmar acordo. Ela traz previsões descabidas.
Por que descabidas?
Acaba mudando a lei. Ninguém está discutindo a competência do TCU para fiscalizar recursos públicos. Esse papel, no entanto, não permite que o TCU seja uma instância revisora dos acordos. Essa competência é da União. O tribunal é órgão da Câmara.
Como é no exterior?
Os acordos são celebrados com MP e União e submetidos ao Judiciário para análise da legalidade. Se é para aprimorar os acordos no Brasil, poderíamos submetê-los ao Judiciário, o que não está previsto na lei. O TCU pode fiscalizar contratos de leniência, mas não cabe estipular condições. Isso não existe em nenhum país.
Mais uma jabutica?
Essa jabuticaba não foi criada por lei. Foi autoatribuição. Se as ameaças dos ministros continuarem, isso será levado ao Judiciário. A minha preocupação é como fazer para que essas empresas sobrevivam e usufruam do acordo. Não estamos falando de pouca coisa: elas geram emprego e riqueza. Se confirmadas as ameaças do TCU, ele será responsável por danos que serão irreparáveis por gerações.
Tudo que o TCU tem feito sobre leniência é ilegal?
Vou dar um exemplo. Num acórdão sobre a usina Angra 3, o TCU determina que as empresas se autoincriminem, mas não oferece benefícios. Isso é inconstitucional. Seria como um acordo de delação sem benefício. Se isso prevalecer, ninguém mais fará acordo.
O TCU pode minar a Lava Jato?
É meu grande receio. Os empresários se perguntam: por que me comprometi com tanto se nada do que prometeram está se efetivando? Vou à Petrobras, portas fechadas. Vou atrás de financiamento público, portas fechadas. Isso desestimula. Sem segurança jurídica, outras empresas não vão aderir aos acordos. Não é possível combater os malfeitos agindo ilegalmente.
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RAIO-X: SEBASTIÃO TOJAL
IDADE: 58
NA ACADEMIA: Mestre e doutor pela Faculdade de Direito da USP, onde dá aulas sobre teoria do Estado
A CARREIRA: Já negociou dois acordos de leniência, da UTC e da Andrade Gutierrez; é sócio fundador de Tojal Renault Advogados Associados; foi conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, seção de São Paulo
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