A crise no Brasil e uma recessão que se aprofunda a cada dia
A situação política e econômica nacional atingiu o seu paroxismo. Ao processo de impeachment em curso, falta a clareza para convencer os espíritos que incorporam como valor importante o respeito aos fatos. Se alguém for à magnífica biblioteca da Câmara e separar ao acaso os livros de dois eminentes juristas, há uma alta probabilidade de que o livro escolhido à sua direita afirme, convictamente, que as razões para o impeachment são óbvias: logo, é supérfluo procurá-las! Afinal, é preciso pedir mais evidência diante do “resultado geral da obra”? Se, entretanto, o escolhido for o da sua esquerda, provavelmente negará com a mesma convicção seus fundamentos: a mera má avaliação da presidenta não justifica, obviamente, a sua cassação. A tristeza é que o debate atingiu um tal nível de miopia e irresponsabilidade que congelou governo e oposição numa disputa suicida.
O verdadeiro problema nacional, que a desastrada paixão de ambos tem se recusado a enfrentar, é o do restabelecimento, com medidas constitucionais, das boas políticas sociais e econômicas que deram certo nos países hoje democráticos e desenvolvidos. Trata-se de garantir o equilíbrio fiscal estrutural, a partir do qual o governo adquire o seu papel fundamental: o espaço e a capacidade de administrar com inteligência o nível de emprego da economia, sem destruir o equilíbrio interno, o controle da taxa de inflação, e o externo, a taxa de câmbio que garante o financiamento do déficit em conta corrente no longo prazo com taxa de juros real parecida com a dos seus parceiros internacionais.
Temos insistido, nesta coluna, que a boa administração da relação dívida pública bruta/PIB é muito importante. Em certa medida, determina tanto a política fiscal adequada (o déficit orçamentário e o superávit primário) quanto a monetária (a taxa de juros que, nas condições institucionais vigentes, é necessária para induzir a sociedade a absorver o aumento da dívida bruta). Talvez valha a pena insistir sobre quatro pontos: 1. A alguns economistas dão um peso maior do que outros à evolução da relação dívida/PIB no médio prazo. 2. Um ajuste fiscal de curto prazo sem a perspectiva de crescimento do PIB tem um custo social muito elevado e é muito difícil de ser sustentado politicamente. 3. Logo, é preciso combinar o ajuste fiscal de curto prazo, respeitado o fato de que a economia já está operando muito abaixo do seu potencial, com medidas que protejam a capacidade de investimento do setor público e o “espírito animal” do setor privado. 4. É preciso reconhecer que os mais fortes vetores do crescimento são os investimentos, público e privado, que hoje vão muito mal, e o aumento da exportação, que já está respondendo à correção da taxa cambial.
Talvez seja redundante, mas é preciso dizer que a dívida pública tem um papel mais importante do que parece a quem não teve tempo de dedicar-lhe atenção mais cuidadosa e crê que pode compará-la, em seus efeitos, à dívida privada.
O governo, pelo menos na teoria, tem vida infinita, e com algum cuidado pode estabilizar sua dívida com relação ao PIB, que é o que interessa. Isso significa que, de fato, ele nunca terá de pagá-la. Basta que observe a relação entre a taxa de crescimento real do PIB e a taxa de juros real e... tenha algum juízo! Quando a dívida é externa, a situação é muito diferente. Os juros pagos são uma transferência de renda para o credor externo e reduzem a renda interna. É por isso que devemos usá-la apenas para investimento e quando a taxa de juro real for menor do que seu retorno.
Nunca o Brasil precisou tanto quanto hoje da recuperação do juízo do governo e da oposição!
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