Flávio Dino fala sobre eleição de aliados de Bolsonaro e das cartas na manga para Lula sair vitorioso
Revista Isto É – Um dos principais nomes do PSB no Nordeste, Flávio Dino, eleito para o Senado pelo Maranhão, integra o time de conselheiros que encorajaram o movimento de Lula rumo ao centro desde o início da corrida eleitoral de 2022. Agora, na disputa do segundo turno, o ex-governador defende o aprofundamento das conversas com o mercado e afirma que um eventual governo petista será “mais amigo” do empresariado do que o de Jair Bolsonaro, marcado por “desvarios”. Dino crê ainda que o compromisso de Lula com as contas públicas está estampado pela disposição em ouvir nomes renomados como Henrique Meirelles e André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, e declara que o petista não pretende comandar o país livre de qualquer âncora fiscal. “Não passa pela nossa cabeça governar sem algum teto de gastos”. Apesar de reconhecer que o debate sobre as contas públicas pesa para esse eleitorado da centro-direita, o ex-governador está convencido que são os temas da “agenda moral”, como a religião, que acabam tratados como prioritários. Para ele, o foco na demonstração de que são falsas as notícias disseminadas pelo bolsonarismo de que Lula fecharia igrejas pode ampliar a vantagem dele na disputa contra o capitão. “Temos de tentar virar votos bolsonaristas, sobretudo os dos eleitores que foram seduzidos por fake news ligadas à liberdade religiosa”, diz, em entrevista à ISTOÉ.
Bolsonaro chegou ao segundo turno mais forte do que as pesquisas indicavam e, assim, ganhou fôlego. Quais cartas a coligação guarda na manga para Lula sair vitorioso?
Lula teve uma vantagem muito importante. Estamos falando de 6 milhões de votos. Desde a redemocratização, não houve viradas no segundo turno presidencial. Agora, temos que confirmar os 48,43% de votos que tivemos e agregar mais alguns pontos. Essa agregação virá dos apoios que estão sendo anunciados, sobretudo de nomes mais ao centro, como Simone Tebet, e, também, de uma maior nitidez no que se refere à apresentação das propostas para o futuro. No primeiro turno, houve muita confrontação de legados. Nessa nova etapa, precisamos de um debate prospectivo.
O que será mostrado com maior clareza?
Precisamos detalhar a agenda emergencial, sobretudo mostrar como combater a pobreza e a fome. É hora de apontar como funcionará na prática. Vamos assegurar o aumento do salário mínimo acima da inflação logo no começo do governo para recuperar o poder aquisitivo dos mais pobres, ativar a economia e estimular a circulação de dinheiro. Temos de indicar como cuidaremos do endividamento das famílias. Por meio de um pacto nacional você consegue fazer com que bancos e governo atuem para recuperar o crédito. Trataremos da segurança alimentar. Fizemos no Maranhão a maior rede comunitária de restaurantes do Brasil, com refeições a R$ 1. Creio que Lula lançará um grande programa de alimentação popular a R$ 1 pelo país.
Mas não há espaço no orçamento, por exemplo, para o aumento do salário mínimo?
Um dos caminhos é o fim do orçamento secreto, que drena recursos para as falcatruas. Fora isso, estamos numa situação em que o próprio Bolsonaro propôs o estado de emergência social — ou seja, há uma flexibilidade maior. Ao longo de 2023, teremos de encontrar novas fontes de dinheiro. Uma delas pode ser a Reforma Tributária. Quando me refiro à reforma, estou falando do imposto sobre grandes fortunas. Refiro-me aos patrimônios acima de R$ 100 milhões, que serão tributados em alinhamento às melhores práticas internacionais para garantir essa justiça fiscal e financiar políticas sociais.
Quais, afinal, serão os acenos à centro-direita?
A questão dessa modulação política já está em bons termos. Lula dialogará com todos, mas não pode virar um quadro da direita brasileira, não pode mudar sua identidade. Ela é nacionalista, desenvolvimentista, do campo popular, com prioridade aos mais pobres e ao combate à desigualdade. Lula trará mais estabilidade e previsibilidade ao país do que Bolsonaro, com essa condução atabalhoada. É necessário, em relação ao empresariado, intensificar o diálogo para mostrar que temos a nossa identidade, mas que essa identidade não é contraditória com o objetivo de assegurar investimentos privados, por exemplo. Aliás, o que queremos é fazer um governo mais amigo da iniciativa privada do que esse dos desvarios bolsonaristas.
Lula fala em extinguir o teto, mas não fala como fará para garantir a contenção de gastos.
O que temos hoje é a situação de um teto de gastos fake. Bolsonaro destruiu a Emenda Constitucional 95. Em razão disso, precisamos rediscuti-la. Algum teto de gastos sempre haverá. É impossível revogar o teto de modo absoluto, pois isso significaria revogar quase a lei da gravidade. Você tem limites da Lei de Responsabilidade Fiscal e derivados da própria Lei Orçamentária. Não passa pela nossa cabeça governar sem algum teto de gastos. Mas o teto engessado, previsto na Emenda Constitucional 95, já está destroçado pela irresponsabilidade fiscal de Bolsonaro. Precisaremos debater isso com o Congresso em 2023.
Henrique Meirelles, que já declarou apoio a Lula, será ouvido para o programa econômico?
A primeira função pública que Meirelles exerceu no Brasil foi no governo Lula, quando presidiu o Banco Central. Claro que ele, como outros, a exemplo de André Lara Resende e Pérsio Árida, são pessoas de grande importância no debate econômico e que devem ser ouvidas tanto no segundo turno quanto na definição da política econômica do início do governo.
Será o suficiente para conquistar a centro-direita?
Tenho a impressão de que, para segmentos sociais da centro-direita, temas de outra natureza são as grandes preocupações. Uma das questões centrais é a religião. Precisamos sublinhar o óbvio, mostrar que quem sancionou a lei da liberdade religiosa foi Lula e que não temos nenhuma dificuldade com qualquer crença. Vamos governar por todas as igrejas e religiões. Esse tema da chamada agenda moral tem, a meu ver, mais importância do que, eventualmente, debater o teto de gastos.
A religião será, então, um ponto-chave para a ampliar a vantagem?
Sim. Temos de tentar virar votos bolsonaristas, sobretudo dos eleitores que foram seduzidos por fake news como às ligadas à liberdade religiosa. Falaremos também com aqueles que se abstiveram ou votaram branco e nulo. Com isso, estou confiante de que Lula ampliará a vantagem.
E como fica o Sudeste, a região-pêndulo desta eleição?
Temos dinâmicas diferentes em cada local de lá. Em São Paulo, há todo o espaço eleitoral derivado da força do PSDB. A chave para a construção da maioria tem muito a ver com a dinâmica da eleição para governador e, portanto, com a capacidade de agregar tucanos, o que passa por Alckmin. No Rio, o papel preponderante será o de Eduardo Paes.
O PL, de Bolsonaro, formou as maiores bancadas da Câmara e do Senado e o União Brasil ensaia uma fusão com o Progressistas. Lula terá dificuldade para garantir governabilidade, se eleito?
Em 2003, havia uma conjuntura muito parecida. Lula não tinha maioria nem na Câmara nem no Senado. Isso, evidentemente, cria dificuldades, mas elas não são intransponíveis. A prática brasileira mostra que o Poder Executivo, quando dialoga com vários partidos, consegue sim construir o apoio parlamentar necessário para impulsionar sua agenda. Eu não vejo o Centrão como um bloco homogêneo e insolúvel. Pelo contrário. Considero que o Centrão é uma aglomeração conjuntural e, portanto, com a vitória de Lula, os partidos que hoje compõem esse bloco terão posições diferenciadas. Acho que, apesar de o PL ser o atual partido de Bolsonaro, nem mesmo ele estará 100% contra o governo petista. Lula tem muita experiência e habilidade e, com nossa ajuda, conseguirá a base necessária.
O que explica essa eleição massiva de aliados do presidente, embora o governo seja mal avaliado?
Há um movimento conservador, situado mais à direita, em expressivos segmentos sociais e em regiões do país. O segundo vetor diz respeito à força do chamado orçamento secreto. Partidos que tiveram candidatos fortemente beneficiados pelas emendas de relator conseguiram um excelente desempenho nas urnas. Vivemos uma eleição, nesse aspecto, atípica. Se olharmos bem, foram praticamente R$ 50 bilhões nos últimos anos destinados ao comando de congressistas. Obviamente, isso gerou a força eleitoral que se manifestou na corrida de 2022.
Dada a composição do Senado, o Supremo corre riscos, caso Bolsonaro seja eleito?
Essa é uma questão que merece ser muito iluminada, porque Bolsonaro é um homem movido pelo ódio, pelo sentimento de vingança. Ele já manifestou isso em relação a vários ministros do Supremo. Se a tragédia da reeleição acontecer, sem dúvidas, Bolsonaro apresentará uma série de medidas contra o Judiciário, tentando, na prática, subordiná-lo. Proporá impeachment de ministros do STF e apresentará a proposta de ampliação do número de magistrados para que possa ter um controle ditatorial sobre o Supremo.
Lula tem uma relação cordial com Pacheco. Na Câmara, a situação é diferente com Arthur Lira. Há espaço para uma reaproximação?
O diálogo com Arthur Lira é muito difícil, porque ele se constituiu quase que em um irmão gêmeo de Bolsonaro. Os dois mantêm uma relação muito íntima. Além de tudo, a questão de Lira passa por fatores regionais. Ele é fortemente opositor do campo lulista em Alagoas. Uma das últimas declarações dele [o deputado afirmou que “emendas de relator são lícitas, constitucionais, democráticas e, além de tudo, uma posição do Parlamento contras as práticas que levaram a crimes do mensalão”] mostra uma agressividade em relação à esquerda. Por isso, acho muito difícil um apoio para mantê-lo na condução da casa. E há justamente essa incompatibilidade. O orçamento secreto é, hoje, o maior caminho que existe no Brasil para a realização de falcatruas. É muito pior do que tudo que já se viu de corrupção no Brasil. Todo mundo que tem o mínimo de seriedade jurídica sabe que o orçamento secreto precisa acabar.
A população ainda não compreendeu o real perigo das ameaças de Bolsonaro?
Há quem ache até graça das loucuras de Bolsonaro. A gente precisa mostrar que ele é corrupto; não trabalha e, portanto, não governa; e gera prejuízos irreparáveis. Não é algo inofensivo ou engraçado. Isso ficará muito claro no segundo turno. Inclusive porque haverá algo inédito: um debate direto de Bolsonaro com nosso campo político. Em 2018, ele fugiu e, neste ano, se escondeu atrás da batina de um falso padre. Mostraremos que Bolsonaro não é cômico, mas um desatinado, desvairado e, por isso, nocivo.