Só neste ano, ministros julgaram 482 casos, individualmente ou em turmas.
Nos processos, STF analisa legalidade de decisões em instâncias inferiores.
Antes de começar a decidir nesta quarta-feira (19) sobre a descriminalização do porte de drogas, vários dos atuais ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) já se debruçaram sobre outras ações relacionadas a tráfico e uso de entorpecentes que chegaram à Corte.
Todos os anos, centenas de pedidos são protocolados, principalmente para derrubar prisões preventivas (decretadas antes da condenação) ou reduzir penas de pessoas já condenadas.
Só neste ano, as duas turmas do STF (formadas cada uma por cinco ministros) julgaram 48 casos. As decisões monocráticas, tomadas individualmente pelos ministros, somaram 434 desde janeiro.
Na maioria dos casos, os ministros limitam-se a analisar se as decisões de tribunais inferiores aplicaram corretamente a lei e seguiram os trâmites processuais.
Será somente na ação a ser julgada nesta quarta que os ministros poderão derrubar um artigo da própria Lei Antidrogas, caso entendam que contraria a Constituição.
Nas demais ações, é muito comum haver rejeição dos pedidos, seja porque o juiz seguiu critérios subjetivos para aplicar a pena ou porque a pessoa presa pulou etapas ao apresentar ação junto ao STF sem aguardar decisões definitivas nas demais instâncias.
Alguns casos
Veja abaixo alguns exemplos de decisões recentes do STF sobre o assunto:
Olheiro de boca de fumo se livra de prisão
Relator da ação sobre a descriminalização do porte de drogas, o ministro Gilmar Mendes, decidiu, em março deste ano, tirar da prisão um homem condenado por ser “olheiro de boca de fumo” (responsável por vigiar local onde se vendiam drogas).
A partir de depoimentos de policiais de Diadema (SP), o réu pegou dois anos de prisão no regime fechado, enquadrado por “colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação” destinada ao tráfico.
Ao analisar o caso, porém, Gilmar Mendes considerou que o desembargador Geraldo Wohlers, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), fundamentou a decisão de prender o acusado somente “com base na gravidade em abstrato do crime”, o que não é permitido pelo STF.
Na decisão de primeira instância, Wohlers registrou: “A infração atribuída ao increpado contribui para que se aniquile a integridade moral e mental de seus desditosos alvos; submete progressivamente os incautos aos cativeiro existencial do vício morfético e ao mais deletério ócio, porque os vitimados por essa chaga praticamente conduzem sua vida produtiva ao epílogo”.
Mendes considerou que o desembargador optou pelo regime fechado com base em sua opinião sobre a gravidade do crime e, por isso, não havia “motivação idônea” para endurecer a pena. Ao final, tirou o réu do regime fechado e substituiu a prisão por penas alternativas, como prestação de serviços à comunidade.
Acusada de tráfico ganha liberdade após ter filho na prisão
Em dezembro do ano passado, o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, derrubou a prisão preventiva de uma mulher acusada de tráfico que teve um filho na cadeia.
Ela havia sido presa em março, grávida de sete meses, ao visitar o companheiro no presídio de Itirapina (SP). Na ocasião, após uma “revista vexatória”, agentes penitenciários flagraram cerca de 140 gramas de maconha escondidos em sua vagina.
A mulher teve dois pedidos de soltura negados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e, em agosto, deu à luz a um menino. Por causa da amamentação, a criança permaneceu com ela numa cela “superlotada e insalubre”.
Ao analisar o caso, Lewandowski considerou que a mulher “não faz do tráfico de drogas o seu meio principal de vida. Ao contrário, os autos dão conta de que se trata de pessoa que possivelmente foi utilizada como mula por companheiro preso, pai do bebê que carregava no ventre”.
Por fim, entendeu que a prisão preventiva, por mais de nove meses sem condenação não se adequava às condições pessoais da acusada.
Homem é acusado por porte, mas depois é preso por tráfico
Em abril, o ministro Luiz Fux decidiu conceder liberdade um homem inicialmente condenado por porte de drogas – que não leva à pena de prisão –, mas posteriormente considerado traficante e condenado a cinco anos no regime fechado.
Em 2010, Lincoln Souza Pereira flagrado com 5,9 gramas de cocaína guardados dentro de um plástico junto com outras 38 cápsulas vazias. Em 2012, o juiz de primeira instância considerou que a droga era para uso pessoal e aplicou apenas uma advertência. O Ministério Público recorreu e o TJ-SP o condenou por tráfico.
A defesa recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e depois ao STF alegando que o tribunal paulista, ao calcular o tempo de prisão e determinar o regime fechado, não considerou que ele era réu primário e tinha bons antecedentes, o que diminui a pena, segundo a lei.
Em sua decisão sobre o caso, Fux considerou que houve “constrangimento ilegal” e concedeu o habeas corpus. Ele disse que somente a quantidade da droga não é condição suficiente para deixar a pena mais dura.
“Ora, à primeira vista, a quantidade de droga aprendida em poder do paciente – 5,9g de cocaína – não se mostra apta, por si só, a inviabilizar totalmente a aplicação da causa de diminuição de pena”, escreveu.
Jovem com 12 gramas de maconha tem liberdade negada
Em fevereiro, o ministro Celso de Mello rejeitou um pedido de liberdade em um caso semelhante, de um jovem flagrado com 12 gramas de maconha e R$ 5 em dinheiro – uma nota de R$ 2 e três moedas de R$ 1, em Epitaciolândia (AC).
Acusado de tráfico de drogas, ele tentava responder ao processo em liberdade, mas teve pedidos de liberdade negados na primeira e na segunda instância e também no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Nesse caso, Celso de Mello sequer chegou a analisar o mérito (conteúdo) do pedido, devido a uma orientação do STF de não aceitar habeas corpus que ainda não tenham sido analisados de forma definitiva em instâncias inferiores. A regra é motivo de inúmeras recusas a pedidos de liberdade apresentados no STF.
“Embora respeitosamente dissentindo dessa diretriz jurisprudencial, por entender possível a impetração de ‘habeas corpus’ contra decisão monocrática de ministro de Tribunal Superior da União, devo aplicar, em respeito ao princípio da colegialidade, essa orientação restritiva que se consolidou em torno da utilização do remédio constitucional em questão”, escreveu no despacho.
O processo de Lucas Bryan Kador Tavares, de 20 anos, relata que ele foi preso em “suposta atitude suspeita” porque agentes policiais o viram “entregando algo” a um terceiro. Ao ser revistado, o suspeito foi flagrado com uma trouxinha de maconha e os R$ 5 no bolso.
A defesa alegou que ele era réu primário, mas a polícia afirmou que ele já vinha sendo investigado por tráfico “há bastante tempo” e que já respondia por receptação. O Tribunal de Justiça do Acre entendeu não haver ilegalidade na prisão.
Homem flagrado com 79 gramas de maconha é libertado
Em decisão oposta, o ministro Luís Roberto Barroso mandou soltar, em maio, um homem acusado de tráfico flagrado com 69 gramas de maconha. O processo dizia que a droga destinava-se a “posterior comercialização”, mas ainda não havia condenação.
A defesa pedia a revogação da prisão preventiva, alegando que ele era réu primário, “sem qualquer antecedente na sua ficha criminal”.
O pedido de liberdade foi negado na primeira e na segunda instâncias, mas aceito por Barroso, que levou em conta o local onde o réu estava preso, o Presídio Central dePorto Alegre, considerado um dos piores do país.
Na decisão, Barroso disse ser um “equívoco” a política de “criminalização e encarceramento por quantidades relativamente pequenas de maconha”.
Para o ministro, essa política prejudica não só o acusado, mas “sobretudo a sociedade” e implica “mandar jovens não perigosos e primários para a cadeia “por tráfico de quantidades não significativas de maconha é transformá-los em criminosos muito mais perigosos”.
O ministro também fez considerações sobre o combate ao tráfico de drogas, acrescentando que diversos países na Europa e estados norte-americanos já descriminalizaram o uso.
“A política de guerra às drogas, inclusive à maconha, liderada pelos Estados Unidos, é considerada um fracasso, e foi abandonada”, escreveu.
“A maconha, a despeito de existirem divergências sobre os malefícios que causa ao usuário, não o transforma em risco para terceiros”, finalizou o ministro
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