Após derrubar as condenações por quadrilha, ministros do Supremo vão analisar os recursos do ex-deputado João Paulo Cunha para lavagem de dinheiro, em decisões que terão reflexos para a Judiciário no país
Laryssa Borges, de Brasília
SAIU BARATO – O ex-deputado João Paulo Cunha (PT-SP),
condenado pelo STF no processo do mensalão, visita o acampamento de
militantes do PT no estacionamento entre o Congresso e o STF antes de
ser preso. Agora, o mensaleiro deverá ter a pena reduzida pela corte
(Pedro Ladeira/Folhapress)
A votação, que mais uma vez deverá ter o placar apertado e decidido com os votos dos ministros novatos Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki, marcará o encerramento dos últimos recursos dos mensaleiros em análise na Corte. Com isso, os condenados que cumprem penas na prisão saberão exatamente quando poderão deixar a cadeia. No caso dos petistas, é provável que Delúbio Soares, José Genoino, João Paulo e José Dirceu estejam em liberdade até o final do ano – para Dirceu, se ele conseguir aproveitar os benefícios previstos em lei para redução da pena, como trabalho externo, leitura e cursos.
Segundo a acusação da Procuradoria-Geral da República, parte do grupo que movimentou 173 milhões de reais dos cofres públicos cometeu também o crime de lavagem de dinheiro em extensão aos atos de corrupção. Em um dos votos mais contundentes sobre o tema, o ministro Luiz Fux resumiu: "Não se deve perder de vista que a atividade de lavagem de recursos criminosos é o grande pulmão das mais variadas mazelas sociais, desde o tráfico de drogas, passando pelo terrorismo, até a corrupção".
Porém, três condenados obtiveram votos suficientes dos ministros na fase inicial do julgamento para apresentar os chamados embargos infringentes, que permitem uma nova análise da condenação imposta para esse crime. Agora, com dois novos votos em jogo, de Zavascki e Barroso, a tendência da corte é interpretar que, para que o agente seja penalizado por lavagem, ele precisa saber que movimentou recursos escusos e agir deliberadamente para burlar a fiscalização.
Jurisprudência – Para o advogado e professor de direito penal da Universidade de São Paulo (USP) Pierpaolo Bottini, a decisão que o Supremo tomará para o caso de João Paulo, João Cláudio Genu e Breno Fischberg será crucial na formação da jurisprudência do crime de lavagem. Na prática, afirma, os ministros definirão o alcance da aplicação da Lei de Lavagem – seja ela a legislação atual (12.683/2012) ou a vigente na época do mensalão (Lei 9.613/1998). Para João Paulo, a absolvição da imputação de lavagem vai reduzir a pena de nove anos e quatro meses de reclusão para seis anos e quatro meses – que poderão ser cumpridos em regime semiaberto.
Em 2012, a legislação sobre lavagem de dinheiro foi alterada para tentar fortalecer as ações de prevenção e repressão: foi abolida a lista dos crimes antecedentes cujos recursos poderiam, depois, ser lavados.
Também foi incluído no texto a possibilidade de lavagem de dinheiro resultante não só de grandes ilícitos, mas também de contravenções penais.
Apesar da mudança na lei, o fato de a tipificação do crime ser relativamente recente no Brasil, a escassa jurisprudência – o crime foi descrito pela primeira vez no Brasil em 1998 – e a definição elástica sobre o que é o ilícito – “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores” – permitem que a Justiça ainda não tenha formado convicções firmes sobre lavagem de dinheiro. Daí a importância da interpretação a ser dada pelo STF no julgamento do mensalão.
“A dificuldade na definição do crime de lavagem de dinheiro é enorme e não só do Supremo. O problema é a abrangência da lei, o que permite que qualquer um a interprete do jeito que quiser”, diz o criminalista Fabio Tofic Simantob. Para ele, embora haja interpretações divergentes sobre o que seria lavagem de dinheiro, “a essência da lavagem é transformar o dinheiro ilícito em lícito para que alguém que olhe de uma forma superficial não veja nada de errado com os recursos”.
De acordo com o procurador da República José Robalinho, representante do Ministério Público na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), houve sim, no mensalão, diversos episódios de lavagem de dinheiro, ainda que os advogados de se esforcem para desconstruir o crime. “Houve uma operação sub-reptícia, com pessoas entrando clandestinamente na agência do Banco Rural para receber propina”, afirma. “Não foi apenas o recebimento de dinheiro do mensalão, mas houve subterfúgios para evitar que os beneficiários fossem pegos, houve uma lista escondida de pessoas que receberiam o dinheiro. Esse procedimento é a intenção de ocultar conjunta com a de receber, são crimes com objetivos autônomos”, completa.
Ainda no início do julgamento, em 2012, a dificuldade dos ministros na caracterização do crime de lavagem levou ao apertado placar de seis votos a cinco pela condenação de João Paulo. “A discussão sobre lavagem de dinheiro é um ponto sensível. E a doutrina admite várias discussões, como a do momento em que houve a ocultação do dinheiro e se isso ainda faz parte da corrupção ou se já é lavagem de dinheiro”, diz Robalinho.
O Supremo condenou João Paulo por lavagem porque concluiu que ele cometeu um crime (corrupção passiva) ao receber 50.000 reais do esquema do mensalão e depois incorreu em novo ilícito (lavagem) ao camuflar o caminho dos recursos, ocultando a movimentação financeira dos órgãos de controle. Assim como ocorreu com o ex-presidente da Câmara, a lavagem de dinheiro foi, segundo o Ministério Público, o mecanismo utilizado por mais de trinta políticos e empresários no mensalão para tentar fugir da “cena do crime”.
Teses – Na próxima quinta, será colocada em discussão uma preocupação já externada pelo ministro Marco Aurélio Mello de o STF ampliar excessivamente a interpretação do direito penal e considerar qualquer ocultação de recursos como lavagem de dinheiro. Também devem ser discutidas a possibilidade de dolo eventual na lavagem, situação em que o réu apenas suspeita que esteja lidando com dinheiro sujo; e a interpretação, já declarada pelo ministro Celso de Mello, que os mensaleiros incorreram em “cegueira deliberada” para evitar acusações de que teriam promovido uma verdadeira lavanderia com os recursos do valerioduto. Nas discussões que levaram à condenação dos mensaleiros por lavagem, os ministros que foram contrários à penalização dos réus por lavagem e corrupção passiva afirmaram que o fato de alguém receber dinheiro da propina já pressupõe que o processo seja camuflado e que, por isso, não se poderia falar em uma tentativa futura de ocultar o dinheiro, como estabelece o crime de branqueamento de recursos. Defende essa interpretação, por exemplo, o ministro Marco Aurélio Mello. A tese de que não se pode comprovar que João Paulo, por exemplo, soubesse que os recursos eram sujos foi utilizada, em complementação, pelos ministros Ricardo Lewandowski e José Antonio Dias Toffoli, que absolveram o petista.
Em sentido oposto, o ministro Gilmar Mendes considerou, ao analisar o caso de Cunha, que a lavanderia estava devidamente montada porque o então deputado enviou a mulher para receber a propina do mensalão para ocultar e dissimular a movimentação dos recursos.
Em julho de 2005, a CPI dos Correios, que investigou o esquema criminoso dos mensaleiros, descobriu que Márcia Cunha, mulher do petista, havia ido à agência do Banco Rural, em Brasília, utilizada para sacar montantes do mensalão. Na sequência, o casal apresentou justificativas estapafúrdias sobre o recebimento de 50.000 reais, como o pagamento de uma conta de TV a cabo e contratação de pesquisas de intenção de votos em Osasco, base eleitoral do então deputado.
No episódio envolvendo a ida da esposa à agência do Banco Rural, mais uma vez houve choque de interpretações. Para Gilmar Mendes, o envio de Márcia para receber a propina é um exemplo claro de tentativa de ocultar os valores. A defesa de João Paulo argumenta, porém, que seria apenas o recebimento “indireto” da propina, conforme previsto na descrição do crime de corrupção passiva. Como o petista não pode mais recorrer contra o crime de corrupção, ele se atém à tese de que corrupção passiva permite a possibilidade de recebimento indireto de dinheiro, como pelas mãos da esposa, já que o tipo penal é descrito como “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente (...) vantagem indevida.
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