segunda-feira, 2 de junho de 2014

Reféns da droga, usuários revelam o medo e o drama que vivem por causa do vício. Conheça histórias de pessoas que buscam uma nova vida longe desse mal




ENTORPECENTE »Escravos do Tráfico: a dívida que mata
William Castro/Jornal Imparcial


 (Honório Moreira/ D.A PRESS)
 
A droga é tão devastadora que ela parece um furacão. Passa na tua vida e leva tudo. Eu peguei o que tinha em casa e troquei pelo vício. Já fiquei devendo um traficante e tive que vender meu carro para pagar a dívida. Eu andava com medo de morrer”, revela M*, de 34 anos, em um desabafo sobre o desespero vivido por ele como refém das drogas.

Esse é o drama vivido por milhões de pessoas em uma realidade que não define o sexo, etnia, idade ou religião. Em todas as partes do mundo, existem famílias inteiras devastadas por este mal, como a de M, que conheceu as drogas aos 16 anos. Ele confessa que perdeu a confiança dos pais, irmãos e amigos e foi até proibido de entrar no prédio em que morava. Hoje, ele busca tratamento e sonha com o recomeço. “Quero me reaproximar da minha família. A droga foi a pior coisa que me aconteceu. Antes eu fazia de tudo para usá-la e agora faço de tudo para ficar longe. Já sofri muito”, disse emocionado.

De acordo com o Levantamento Nacional de Famílias dos Dependentes Químicos (Lenad Família), feito pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), pelo menos 28 milhões de pessoas têm algum familiar dependente químico. A pesquisa realizada em dezembro de 2013, no Brasil, mostrou que pais, tios, irmãos, primos estão fazendo parte da lista crescente desta estatística. Dona S*, busca ajuda para o neto nos centros de apoio aos usuários de drogas na capital maranhense. 

Ela implora por uma internação do jovem de apenas 18 anos, que é viciado e corre risco ao dever traficantes para consumir a substância. “Ele fica me pedindo dinheiro toda hora. Na minha casa não tem nada, nenhum móvel, porque ele já vendeu tudo para consumir a droga. Eu não quero perder meu neto numa morte trágica”, declara.

Esse desespero representa o medo vivido por centenas de famílias que lutam diariamente por apoio para tratar seus parentes com dependência. Muitos usuários esquecem os laços de origem na busca pela droga na “boca de fumo” e as dívidas geradas resultam na insatisfação dos traficantes, colocando em risco a vida de quem faz de tudo para alimentar o vício. 

É o caso de F*, de 37 anos, que já foi ameaçado de morte e quase espancado por dever R$ 80 reais. “Eu devia um traficante e ele me bateu muito como forma de me avisar que se eu não pagasse a droga que eu comprei poderia morrer. É uma vida compulsiva, quanto mais você usa mais você quer. Eles te vendem a primeira vez e até a segunda, mas, na terceira já ameaçam. ‘E ai mano vai pagar quando?’, ‘Tu já tá me devendo, tá se queimando, tenho que prestar contas com o chefe’, É muito sofrimento a pressão psicológica que passamos”, lamenta.

Ele conta que acumulou muitas dívidas e que já deixou uma moto empenhorada como forma de resguardar sua vida e de familiares. “Eu sumia por uns dias para tentar conseguir a grana, mas, o problema é que quando eu tinha o dinheiro, o vício falava mais alto e eu ia comprar em outro lugar com o valor para pagar a dívida. Era uma bola de neve”, confessa. Revela ainda que pegava os celulares dos irmãos para trocar em droga e que quase levou um tiro dos traficantes em uma perseguição. Segundo F, eles mantinham atualizadas a “lista da morte”, com nomes de usuários que deviam há mais tempo, independente do valor.

Atualmente, pai de três filhos, tem a família como sua base e amparo e tenta reconstruir sua vida longe do vício. “Estou em tratamento e quero sair liberto, de cabeça erguida e olhar para a sociedade como um homem transformado”, sinalizou animado.

Drama real
A deficiência causada pela poliomielite aos quatro anos de idade não foi barreira para R entrar na dependência química. Ainda criança, natural de São Luís, o garoto foi morar com a mãe no Rio de Janeiro, no morro da Rocinha. De forma precoce, ele experimentou as drogas aos 11 anos de idade e já entrou na facção do Comando Vermelho da cidade maravilhosa. Ele diz que passou por todas as fases do tráfico até chegar na gerência da boca de fumo, onde chegou a faturar R$ 8 mil reais por semana. 
Além de consumidor, ele passou a vender as substâncias, e, com tanto dinheiro em mãos, destaca que seu maior prazer era ostentar as roupas e os acessórios de luxo comprados por meio do tráfico de entorpecentes. Ele diz que já cobrou muitas dívidas e que “algumas pessoas não estão mais vivas para contar história. A ordem na facção é para matar sem dó quem está devendo”, afirma. Os anos se passaram e ele retornou à capital maranhense, porém, desta vez sem tanto poder aquisitivo como estava habituado e o vício falou mais alto. 

Para usar a droga, fez dívidas e se afastou da família que não aceitava sua condição de vida. Ele fala que até tentativa de homicídio já sofreu. Em tratamento aos 39 anos, R garante que se afastou do vício e enfatiza que reconquistou sua autoestima e vontade de viver.
A influência do namorado fez C, aos 23 anos, entrar no mundo das drogas. Após o fim do relacionamento, a desilusão amorosa foi o ponto de partida para aumentar o vício. “Eu não tinha ânimo para trabalhar e larguei a faculdade. Me entreguei para as drogas”. Ela desabafa que ficou grávida e o bebê faleceu dias após o nascimento. Por consumir drogas durante a gestação, a criança nasceu com problemas respiratórios e alergias.
Ela ressalta que nunca fez dívidas com traficantes, mas, que presenciou cenas muito tristes, como a de um usuário que teve seu couro cabeludo arrancado por causa de R$ 4 reais. “Quando eu não tinha dinheiro eu usava meu corpo e fiz vários favores para consumir a droga”, sinaliza. Com 32 anos, C  procurou ajuda quando estava em alto nível de dependência e abstinência das drogas e agora quer uma nova chance de recomeçar sua história.
Denúncia
Os familiares que sofrem com essas realidades tentam buscar alternativas para não ver esse drama terminar em tragédia. De acordo com o delegado titular do Departamento de Narcóticos (Denarc) de São Luís, Cláudio Mendes Pereira, as pessoas têm medo de denunciar que seus filhos ou parente próximo estão sendo ameaçados por traficantes. Ele afirma que muitos saem da cidade, se escondem ou se refugiam em abrigos sociais com receio de serem atacados na cobrança da dívida. “É raro vir alguém aqui falar que está sofrendo ameaças por traficantes de drogas. As pessoas não têm coragem, o que fazem, às vezes, é denunciar de forma anônima onde estão localizados os pontos de vendas”, explica.   

Uma saída
Na cidade, existem alguns órgãos que atuam no tratamento de dependentes químicos e auxiliam os usuários de drogas a reconstruírem sua vida. O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), por exemplo, é um instrumento do Ministério da Saúde e funciona das 8h às 17h30, em parceria com o Governo do Estado. O local recebe pessoas com alguma dependência ou transtornos mentais associados ao uso de álcool e drogas, ou pessoas que cometeram crimes devido a uso dessas substâncias. Para Marcelo Costa, diretor do CAPS, “o acolhimento é uma forma de tentar reduzir os danos sentidos pelos usuários com o consumo destes entorpecentes, por meio de palestras e atividades com diversos profissionais durante todo o dia na unidade”, esclareceu.
Ele disse ainda que muitas pessoas chegam deprimidas ou agressivas e após o diagnóstico são medicados, com recomendação individual, para melhorar o sono, o ânimo e diminuir as lesões causadas pela droga.
Já quem busca um tratamento mais intenso deve ir ao Hospital Nina Rodrigues, que encaminha as pessoas para a Unidade de Acolhimento Transitório. Na UAT, elas ficam 30 dias e são acompanhadas por psicólogos, enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, assistentes sociais, entre outros.
Vale lembrar que a Secretaria Municipal da Criança e Assistência Social (Semcas), também realiza um trabalho com pessoas em situação de vulnerabilidade, como crianças e adolescentes que trabalham na rua ou que escolheram viver na rua por terem os laços familiares rompidos. Neste caso, envolvidos com drogas são orientados para os órgãos de acolhimento.

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