domingo, 20 de março de 2016

Disputa entre juízes e políticos no coração da crise brasileira



Advogado. Marilson Santana

Justiça anticorrupção ou "Estado policial"? Os juízes revelaram os subterrâneos da política no Brasil com métodos que ocasionaram críticas e que fizeram com que entrassem em choque frontal com os demais poderes.
A decisão do juiz Sérgio Moro - encarregado de investigar o Petrolão - de divulgar ligações telefônicas interceptadas de Luiz Inácio Lula da Silva e o bloqueio judicial da posse de ex-presidente como ministro ilustram, segundo analistas, a maneira que os juízes estão ultrapassando suas fronteiras e atuando politicamente.
Ao grampear as conversas de Lula, Moro captou diálogos com a própria presidente Dilma Rousseff. E quando o ex-presidente foi designado ministro, o juiz liberou o acesso aos áudios.
"Moro faz um uso político da operação Lava Jato, o que abre um precedente e encoraja outros juízes conservadores a fazer o mesmo", disse à AFP o advogado Marilson Santana, professor de Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A divulgação da conversa entre Dilma e Lula desencadeou um terremoto político, ao ser amplamente interpretada como a confirmação de que a entrada de Lula no governo propunha proteger o ícone da esquerda de um eventual mandado de prisão.
Na gravação, Dilma informa a Lula que estava lhe enviando o decreto de sua nomeação, para que pudesse usá-lo "em caso de necessidade".
Milhares de pessoas foram imediatamente às ruas para exigir a renúncia de Dilma.
"Os golpes começam assim", reagiu a presidente.
- Descrédito da política -
A operação Lava Jato sacode toda a classe política, mas até agora tem focado principalmente no Partido dos Trabalhadores (PT), de Lula e Dilma, e em outros partidos da coalizão do governo.
Moro é considerado pela oposição como um campeão da justiça. Mas para a senadora petista Gleisi Hoffman ele está "incendiando o país".
Os questionamentos não são só políticos.
"O imperioso combate contra a corrupção não pode avançar em detrimento das garantias individuais e das leis vigentes", declara o editorial da Folha de São Paulo.
Moro alegou que os telefones grampeados eram de Lula e não da presidente. Inclusive, citou como precedente o escândalo das escutas telefônicas no caso Watergate, que levou à renúncia do presidente americano Richard Nixon, em 1974.
"Nem sequer o primeiro chefe da República tem um privilégio absoluto no resguardo de suas comunicações, aqui captadas por acaso", escreveu Moro. O "conhecido precedente" do caso Watergate "é um exemplo a ser seguido", insistiu.
Entidades jurídicas fecharam fileiras em defesa do juiz, cujas decisões nunca foram revertidas por qualquer instância superior.
Mas Dilma declarou que "em muitos lugares do mundo, quem grampeia o telefone de um presidente vai preso se não tiver a autorização da Suprema Corte".
O descrédito da política pode ser uma das explicações para este vigoroso poder judicial, dizem os especialistas.
"Estamos em um momento muito grave, no qual o Poder Legislativo está encurralado porque seus líderes são investigados e o Poder Executivo está completamente desacreditado por um governo ineficiente", disse à AFP Antônio Carlos de Almeida, advogado do banqueiro André Esteves, processado no marco da operação Lava Jato.
"Então o Judiciário tornou-se o grande poder. E isso é muito perigoso, porque como Rui Barbosa dizia: 'A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário', porque não resta a quem recorrer", comentou.
Moro tampouco hesitou em ordenar a busca na casa de Lula, em 4 de março, e de levar à força, até este momento, o intocável líder.
"A operação Lava Jato tinha um objetivo claro: fazer Dilma ser inviável e anular Lula para as eleições de 2018", insiste o advogado Marilson Santana.
- "República de Curitiba" -
Em algumas de suas conversas gravadas, Lula afirmou que os juízes estavam "acovardados" diante do procuradores anti-corrupção e do juiz Moro.
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, bloqueou na sexta-feira a nomeação ministerial de Lula, por considerá-lo um "salvo-conduto" da presidente para protegê-lo da justiça.
O ministro também decidiu que a investigação siga nas mãos do juiz Moro, de Curitiba.
"Sinceramente estou assustado com a República de Curitiba, porque a partir de um juiz de primeira instância tudo pode ocorrer neste país", disse Lula em uma das conversas grampeadas.
G1 Notícias

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