segunda-feira, 7 de abril de 2014

'Nosso futebol está na mesmice. E os clubes são culpados'



Estagnado e arrogante, o marketing dos clubes brasileiros perdeu uma chance de ouro de faturar com Copa do Mundo, avalia especialista em gestão esportiva




Luiz Felipe Castro
Nike divulga camisas de clubes brasileiros em homenagem à seleção brasileira
Nike divulga camisas de clubes brasileiros em homenagem à seleção brasileira: iniciativas diferentes partem sempre das empresas, não dos clubes (Divulgação/Nike)
"Os Estaduais vivem hoje em fase terminal, isso está muito claro. Há um desinteresse muito grande do torcedor, que prefere ver Libertadores e Brasileirão. Além disso, as novas arenas trouxeram um encarecimento dos ingressos"
A pouco mais de dois meses do início da Copa do Mundo,o futebol brasileiro vive um início de ano melancólico: com estádios quase sempre vazios e clubes endividados, o cenário atual tem espantado cada vez mais os patrocinadores, que voltaram suas atenções ao maior evento do esporte mundial e não enxergam bons motivos para investir nas equipes. Apesar de ter aumentado suas receitas, que ultrapassaram a marca de 3 bilhões de reais no ano passado, os clubes brasileiros ainda não aprenderam com os gigantes europeus os caminhos para fidelizar seus torcedores e atrair o interesse de grandes parceiros. De acordo com o consultor Amir Somoggi, um dos principais especialistas em gestão e marketing do esporte no país, os clubes já perderam a chance de usar a Copa como uma grande oportunidade – e pior, têm usado o torneio que trará Lionel Messi, Cristiano Ronaldo e outros supercraques ao Brasil como desculpa para esconder sua própria incompetência.

Autor de dezenas de estudos relacionados ao mercado de futebol no Brasil, Somoggi falou ao site de VEJA sobre o "estado terminal" dos campeonatos estaduais e foi enfático ao assegurar que não vivemos no país do futebol. Para ele, o torcedor brasileiro, em geral, só quer ver sua equipe vencer – e, em caso de má fase, ele costuma abandonar as arquibancadas. "Existe uma cultura do brasileiro de ir pouco ao estádio. Na Europa, há cidades que têm 400.000 habitantes e 80.000 pessoas estão sempre no estádio", lembrou. Somoggi ainda analisou as estratégias de marketing pouco inovadoras das equipes nacionais e afirmou que a contratação de atletas de renome, como Alexandre Pato, Clarence Seedorf e Diego Forlán, deverão ser cada vez menos frequentes. Ao avaliar o Corinthians, clube que mais investiu no setor, o consultor enxerga falhas importantes. "É sempre bom lembrar que o Ronaldo só trouxe receitas do mercado doméstico. O Corinthians não se tornou uma marca global, ao contrário do que eles mesmos dizem", diz Somoggi, que acredita que as equipes precisam de soluções mais criativas.

Muitos clubes avaliam que a chegada da Copa foi prejudicial, pois a verba de patrocinadores voltou-se exclusivamente para o evento, deixando de lado o futebol nacional. Você concorda? Não. Na verdade, essa tese, que se tornou um mantra de qualquer cartola da área de marketing nos últimos tempos, é um grande erro. Todos vão dizer que as verbas estão todas alocadas em ações promocionais para a Copa, mas, na verdade, o evento foi um grande catalisador de investimentos do futebol brasileiro. Sem ele não haveria, por exemplo, nenhum estádio novo, e os clubes não poderiam se beneficiar dos lucros que eles serão capazes de produzir no futuro. A Copa é um torneio de tiro curto e acaba em julho, então os clubes já deveriam estar pensando no que fazer depois. Mas eles acham que parceiro comercial tem que estar só na camisa. Oferecem espaço no peito, manga, costas, calção, omoplata... Mas ninguém consegue sair da mesmice. O mercado está estagnado.

Por que as equipes brasileiras sofrem tanto para conseguir bons patrocínios? Os grandes culpados são os próprios clubes, porque as marcas não conseguem ver em nenhum deles uma entidade realmente preparada para projetos mais ambiciosos. Por isso, chegamos ao ponto de ver times grandes sem patrocínio e outros tantos com o mesmo patrocinador, que é um banco estatal, a Caixa. Na Europa, se um clube fica sem patrocínio, no dia seguinte vem a concorrente e leva, pois as empresas não querem perder a oportunidade de estar associada a uma marca com alto valor agregado. Aqui, os clubes não produzem isso e depois reclamam que a culpa é dos outros.

Já é tarde demais para pegar carona no sucesso da Copa? Isso poderia ter sido feito já na Copa das Confederações, mas os clubes estão deitados em berço esplêndido. Para você colher benefícios, é preciso traçar uma estratégia, mas os clubes não entendem isso. Eles não incentivam o torcedor a vestir a sua camisa. É normal que a verba vá para a publicidade da Copa, isso sempre foi assim, mas agora que a Copa é aqui, fica mais fácil justificar. Os clubes não souberam enxergar o evento como um aliado, e sim como uma desculpa. Eles só querem saber de patrocínio na camisa e não pensam em criar iniciativas diferentes, como se faz no futebol europeu.

E a ideia de adotar camisas amarelas no ano da Copa, como fizeram Palmeiras, Corinthians, Santos, Internacional e outros? Essa história da camisa amarela é um bom exemplo do que venho dizendo. Elas foram criadas pelas marcas de material esportivo que patrocinam as equipes. Não foi algo que partiu dos clubes. Nunca parte deles. É assim que acontece: alguém faz, eles topam. Mas eles não criam nada.

A que fatores você atribui essa incapacidade dos clubes em desenvolver o próprio marketing? A idade avançada de alguns cartolas pode ser relacionada à falta de ideias inovadoras? Eu não gosto de falar em idade. Por exemplo: eu já trabalhei com o Luis Álvaro de Oliveira Ribeiro (presidente licenciado do Santos), que é um homem na casa dos 70 anos, mas tem grandes ideias. Falar em idade pode parecer preconceituoso. Acho que existem outros fatores que explicam melhor o nosso atraso.

Quais seriam? Primeiro, o ambiente político dos clubes, onde o homem de marketing não tem poder nenhum, ao contrário do que acontece nos clubes europeus. O segundo é o baixo conhecimento dos profissionais que comandam a área. E o mais grave, pois creio que conhecimento se adquire com o tempo, é a arrogância. Não conheço um clube brasileiro que seja humilde, que admita que os resultados não são satisfatórios. Sempre a culpa é do governo, dos patrocinadores, da televisão... E pior: quando nossos clubes começam a faturar um pouquinho a mais com uma ou duas fontes de renda, como um patrocinador estatal ou o dinheiro da Globo, eles já se sentem um Real Madrid, um Barcelona ou um Manchester United. Eles vivem num mundo paralelo.

Como você explicaria o fracasso dos Estaduais deste ano, sobretudo na questão das médias de público? É uma soma de fatores. Eu poderia afirmar que os Estaduais vivem hoje em fase terminal, isso está muito claro. Há um desinteresse muito grande do torcedor, que prefere ver Libertadores e Brasileirão. Além disso, as novas arenas trouxeram um encarecimento dos ingressos, pois os clubes já não determinam os preços sozinhos – em geral, existe um acordo com a empreiteira que ergueu o estádio ou o consórcio que o administra. Além disso, o futebol e o marketing estão muito ligados ao resultado dentro de campo. Se o jogo é bom, o torcedor vai; se não é, ele não vai. Os clubes ainda não conseguiram criar ações que motivem o torcedor através do entretenimento. E não falo só de infraestrutura do estádio. É segurança, conforto, divertimento, comida de qualidade, estacionamento...

Com base nisso tudo, a noção de que o Brasil é o país do futebol é equivocada? Existe uma cultura do brasileiro de ir pouco ao estádio. Mesmo nos áureos tempos em que 150.000 pessoas iam ao Maracanã, a média de público do Campeonato Brasileiro era de 20.000 pagantes, muito abaixo das ligas europeias hoje. Acho que essa ideia de o Brasil ser o país do futebol está ligada à quantidade de pessoas que têm um time do coração. Mas a presença delas nos estádios é muito pequena, o que me faz crer que nós nunca fomos o país do futebol. Quantidade não representa qualidade. O importante é ter um torcedor engajado, leal. Na Europa, há cidades que têm 400.000 pessoas e 80.000 estão sempre no estádio do clube local. Por aqui, o torcedor de um clube como o Flamengo faz as contas e pensa: "Vou até Volta Redonda, ver um jogo sem importância?".

Neste ano, os clubes brasileiros não investiram em contratações de peso como Pato, Seedorf, Forlán ou Ronaldinho. Você acha que a estratégia de contratar craques consagrados não interessa mais? Esse modelo foi interessante em um dado momento, mas hoje me parece chover no molhado. Claro que se você traz um Seedorf, a torcida pode se empolgar. Mas precisa de um trabalho de marketing por trás para acompanhar. Vamos tomar o exemplo do Forlán. Ele tem cerca de 5 milhões de seguidores no Twitter, enquanto o Inter tem 500.000. Por que o clube não trabalhou, assim que ele chegou, em uma campanha forte para explorar sua imagem? Eles acham que primeiro o jogador precisa render para só depois começar a lucrar em cima. Acho que um bom caminho hoje em dia seria investir em jogadores que realmente venham para arrebentar, ou ir atrás de novos mercados com alto potencial de consumo, como Ásia ou até Estados Unidos. Por que não trazer um grande jogador americano que tenha apelo comercial e qualidade técnica? O trabalho precisa ser conjunto e eu, até hoje, não vi nenhum clube que tenha trazido um jogador que realmente tenha revolucionado os negócios.

Nem mesmo o Ronaldo no Corinthians? É que o caso do Ronaldo foi diferente: partiu do próprio jogador e, por ter sido pioneiro, ele chamou muita atenção. Mas é sempre bom lembrar que o Ronaldo trouxe receitas apenas do mercado doméstico. O Corinthians não se tornou uma marca global, ao contrário do que o próprio clube diz. Para se ter uma ideia, o Corinthians tem 200.000 seguidores de redes sociais fora do Brasil. O Santos tem 500.000. A marca do Corinthians não é nada para um time de 30 milhões de torcedores. Além disso, o Ronaldo ficou com grande parte das receitas que foram viabilizadas por ele. Esse foi o acordo, e deu muito certo para o jogador.

Ainda citando o Corinthians, qual foi o balanço da contratação do chinês Zizão? Ele foi o exemplo típico da arrogância e do despreparo do clubes. Isso porque estamos falando do clube tido como o melhor marketing do Brasil. Assim que o Zizão chegou, o Luís Paulo Rosemberg (ex-vice-presidente de marketing) veio a público para dizer, sem o menor pudor, que haviam trazido um chinês ruim de bola. É muito folclore e pouco profissionalismo. Eles poderiam ter trazido um chinês de qualidade, titular da seleção, que fosse realmente agregar algo ao clube.

É possível dizer que os grandes clubes argentinos, especificamente Boca Juniores e River Plate, são mais conhecidos mundialmente que os brasileiros? Com certeza, muito mais conhecidos. Claro que a questão da polarização ajuda, como um Real Madrid x Barcelona. Mas, em 1997, o Boca Juniores, já tinha uma diretoria de relações internacionais muito ativa. Ou seja, eles já tinham um trabalho de marketing sendo realizado e se aproveitaram dos títulos da Libertadores e do Mundial de Clubes. Eles fizeram tudo antes. Aqui ninguém aproveita isso. São Paulo, Inter e Corinthians foram campeões do mundo e não mudaram de patamar. É inacreditável.

E como explicar que um clube do tamanho do Palmeiras, no ano de seu centenário, ainda não tenha conseguido um patrocinador principal na camisa? O Santos também está na mesma. A Copa atrapalhou nesses casos? Pelo contrário. A Copa poderia ter sido um grande auxílio, porque o centenário do Palmeiras é em agosto, logo na sequência. Pelo que eu sei, o clube está desesperadamente buscando um patrocínio, mas está difícil, eles querem muito dinheiro. Um centenário não se faz em seis meses. Nesse caso, o único clube que soube trabalhar seu centenário foi o Corinthians, que aproveitou a ocasião ao extremo. É um absurdo o Palmeiras não ter um patrocinador em 2014, assim como acontece no Santos também. Não importa se o mercado está difícil. Talvez, na verdade, o mercado esteja dando uma resposta. Fonte: Revista Veja.


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