domingo, 4 de maio de 2014

CACAU - O vigor econômico da região, retratado tantas vezes na literatura do escritor Jorge Amado, em obras como Cacau ou Terras do Sem Fim, concentrou o dinheiro nas mãos de poucos.



Cacau no Brasil no Estado da Bahia




Pesquisas







No passado, o cacau sombreado pela floresta transformou o sul da Bahia num Eldorado. Atraídas pela riqueza das árvores dos frutos de ouro, famílias inteiras migravam de outras regiões do Nordeste. O vigor econômico da região, retratado tantas vezes na literatura do escritor Jorge Amado, em obras como Cacau ou Terras do Sem Fim, concentrou o dinheiro nas mãos de poucos. Os coronéis reinavam tranquilos até que, em 1989, a chegada de uma praga conhecida por vassoura de bruxa arrasou as plantações. Se antes o cacau era considerado o fruto dourado responsável pela pujança local (daí a expressão “ele é cheio do cacau”), depois da doença se transformou no protagonista de uma tragédia que mudou o destino de quase 3 milhões de pessoas. A praga afetou o plantio em 93 municípios, extinguiu 250 mil empregos e provocou o êxodo de 800 mil homens, mulheres e crianças das fazendas para as cidades. As periferias das zonas urbanas incharam. A produção de cacau caiu de 400.000 toneladas por ano para 120.000. Deprimidos, muitos chefes de família se suicidaram.
Nos últimos anos, os produtores vêm investindo em novas variedades mais resistentes. Alguns tiveram de replantar todos os cacaueiros. Mesmo assim, a produção hoje é uma fração do que era. Para compensar, o caminho encontrado por produtores como João Tavares foi investir em qualidade. Há 12 anos, Tavares passou a frequentar bibliotecas em busca de literatura científica para alcançar a excelência do grão. “Havia muitas pesquisas disponíveis, mas elas não dialogavam com o campo. Foi aí que comecei meus experimentos”, diz. Numa sucessão de tentativas e erros, transformou o modo de beneficiar as sementes em suas três fazendas. Obteve pequenas inovações, que alteraram profundamente o resultado do produto. Uma delas diz respeito à fermentação. Tradicionalmente, os cochos onde as amêndoas fermentam têm um padrão retangular. Ao perceber que a temperatura nos cantos da caixa é diferente do centro, Tavares arriscou usar um modelo redondo para dar uniformidade. Ficou falado na vizinhança. Certa vez, um produtor dos arredores o viu passar pela estrada carregado daquelas circunferências enormes de madeira. Nasceu ali o bochicho de que se tratava de banheiras de ofurô.
O resultado de suas invenções? As amêndoas de Tavares estão entre as mais premiadas do mundo. Por dois anos seguidos (2010 e 2011), derrotaram cerca de 120 países e conquistaram o Cocoa of Excellence, no Salão do Chocolate, em Paris. O feito colocou o Brasil no mapa dos países produtores de cacau fino. “Meu trabalho não é dar sabor ao cacau, mas suprimir os defeitos dele, como acidez, amargor e adstringência”, afirma. Tavares tem contrato com grandes empresas brasileiras, como a Harald, a Amma Chocolates e a Nugali. Neste momento, diz que está em negociação com um chef francês cujo nome ainda mantém em segredo. A demanda é tamanha que, para este ano, não tem mais um grão para vender. Começará a comprar cacau dos vizinhos para beneficiar em suas fazendas – hoje em expansão para dobrar a produção.
A vontade de produzir um chocolate tão bom quanto o europeu despertou o empresário Ernesto Neugebauer, dono da Harald, para o cacau baiano. “Nosso país nunca teve tradição de cuidar dos ingredientes. Queremos mudar isso”, afirma. No ano passado, a Harald lançou uma linha com cacau fino de origem, a Melken Unique. Os produtos – de chocolate de cobertura a barras – representam hoje 3% do negócio, e a ideia é que a linha cresça 20% ao ano. Mais que do interesse do consumidor, o salto depende da disponibilidade de matéria-prima. “Alinhado com a evolução econômica, o Brasil passa por uma revolução gastronômica que começou com o vinho, passou pelo café e agora chega ao chocolate”, diz Neugebauer. “O brasileiro começa a compreender o que é um chocolate de verdade.” Para ser rotuladas como gourmet, as amêndoas precisam cumprir pelo menos 30 quesitos de boas práticas. Ainda é difícil encontrar agricultores atentos a todas.
Nem só os grandes produtores da região enxergaram as vantagens de migrar para o cacau fino. Um assentamento ligado ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) colocou seu nome, Terra Vista, em tabletes feitos de frutos com certificação orgânica – tudo plantado ali. “Se vendo só a semente, fico com 7% do dinheiro da cadeia. Os outros 93% saem pela porteira”, diz Joelson de Oliveira, líder do assentamento. Os moradores se preparam para aumentar a produtividade. Investirão no melhoramento genético das sementes e no manejo correto do plantio, para crescer de 15 para 50 arrobas de cacau por hectare. “Em cinco anos, o cacau fino renderá cinco salários mínimos por família assentada”, diz Oliveira. Ele coleciona metas de rigor empresarial.
A inauguração de uma fábrica para processar as amêndoas em liquor, a base do chocolate, é o novo frenesi da região. Batizada de CooperBahia, a estrutura erguida na cidade de Ubatã, ao custo de R$ 15 milhões, é um passo fundamental para fechar o ciclo de produção – do grão à barra. Financiada pelo Grupo Odebrecht, a fábrica terá capacidade para industrializar pequenas quantidades de agricultores que tentam transformar suas lavouras em gourmet. “Agora eles podem agregar valor ao cacau”, afirma Eimar Sampaio, diretor agrícola e comercial da CooperBahia.
Emolduradas por paisagens montanhosas e praias de areia fina, as florestas de cacau do sul da Bahia são naturalmente atraentes aos visitantes. “Aqui há belezas naturais, aeroporto, boas estradas, um sistema que conserva a floresta e chocolate de qualidade”, diz Libânio, do Instituto Cabruca. Para ele, ao oferecer degustação de chocolates finos locais, a região tem tudo para entrar no roteiro do turismo gastronômico. “Assim como acontece com o vinho, no Sul do Brasil, temos potencial para entrar na rota internacional do cacau.”  Fonte: Revista Época.

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